Tenho esta coisa com as páginas em branco. Olho-as e elas começam a bulir comigo e eu a bulir com elas. Depois é um desatar de palavras a escorregar pelo papel fora e a folha a ficar escrita, riscada a preto, feia, com a minha letra feia, e assim de ar sujo. Se ao menos eu tivesse uma caligrafia bonita, redondinha e pura, com pontinhos nos is iguaizinhos a bolinhas bonitinhas, engraçadinhas, a imitar corações. Mas nada disso, é feia, meia oblíqua e incerta, toda escrita às pressas, como quem foge ou não quer ser percebida.
Depois é todo um avolumar de signos e sentidos, de estórias e histórias, ideias e objectos, planos e pensamentos, coisas que eu não saberia arrumar sem as palavras. Fico então pasmada a perceber para que servem. Servem sobretudo para encher páginas – como esta – e servem para nos iludir que o abstracto que há em nós pode ser objectivado com estes conjuntos de letras. E eu às vezes a querer ver-me livre delas, e das coisas objectivas e ser só coisas vagas, indefinidas, às vezes mesmo sem sentido (para o que serve o sentido mesmo?). Eu a querer fugir e pensar, sei lá, música em vez de palavras, sentir perfumes em vez das palavras que tantas vezes picam, como cactos, agulhas, coisas irritantes que não nos deixam descansar o raio das palavras. E eu a vê-las a crescer na folha antes em branco, tão purinha, tão capaz de ser ainda qualquer coisa, antes de eu a pisar com as minhas palavras e a minha letra feia, escrita a preto, ainda por cima – era a caneta que tinha – se ao menos fosse a azul, sempre ficava mais bonitinha. Menos feia, quero eu dizer, quase se afiguraria a uma pintura abstracta, um desenho mais propriamente. Gosto das bic cristal azuis e parkers, deslizam bem, ajudam-me a sujar a folha com estilo, sem me emperrar as ideias.
Santo Deus, olha tantas! Tantas palavras já aqui plasmadas. Tanto papel sujo, podia ter sido uma folha tão bonita, com desenhos, por exemplo, se eu soubesse desenhar, ou notas de música, uma pauta, se eu percebesse alguma coisa de música, até podia ter sido um belo objecto literário, ter-lhe nascido no seu interior um romance, um conto, um poema, um previsível prémio nobel da Literatura. Ou, pelo menos, uma carta de amor, mesmo que desastrada, uma que dissesse “amo-te” a tremer na linha, de letras embargadas, mesmo que fosse ridícula, como as que Ofélia recebia do Fernando. Ridícula como toda a carta de amor deve ser, como todo o Amor o é, também.
Depois é todo um avolumar de signos e sentidos, de estórias e histórias, ideias e objectos, planos e pensamentos, coisas que eu não saberia arrumar sem as palavras. Fico então pasmada a perceber para que servem. Servem sobretudo para encher páginas – como esta – e servem para nos iludir que o abstracto que há em nós pode ser objectivado com estes conjuntos de letras. E eu às vezes a querer ver-me livre delas, e das coisas objectivas e ser só coisas vagas, indefinidas, às vezes mesmo sem sentido (para o que serve o sentido mesmo?). Eu a querer fugir e pensar, sei lá, música em vez de palavras, sentir perfumes em vez das palavras que tantas vezes picam, como cactos, agulhas, coisas irritantes que não nos deixam descansar o raio das palavras. E eu a vê-las a crescer na folha antes em branco, tão purinha, tão capaz de ser ainda qualquer coisa, antes de eu a pisar com as minhas palavras e a minha letra feia, escrita a preto, ainda por cima – era a caneta que tinha – se ao menos fosse a azul, sempre ficava mais bonitinha. Menos feia, quero eu dizer, quase se afiguraria a uma pintura abstracta, um desenho mais propriamente. Gosto das bic cristal azuis e parkers, deslizam bem, ajudam-me a sujar a folha com estilo, sem me emperrar as ideias.
Santo Deus, olha tantas! Tantas palavras já aqui plasmadas. Tanto papel sujo, podia ter sido uma folha tão bonita, com desenhos, por exemplo, se eu soubesse desenhar, ou notas de música, uma pauta, se eu percebesse alguma coisa de música, até podia ter sido um belo objecto literário, ter-lhe nascido no seu interior um romance, um conto, um poema, um previsível prémio nobel da Literatura. Ou, pelo menos, uma carta de amor, mesmo que desastrada, uma que dissesse “amo-te” a tremer na linha, de letras embargadas, mesmo que fosse ridícula, como as que Ofélia recebia do Fernando. Ridícula como toda a carta de amor deve ser, como todo o Amor o é, também.