quarta-feira, julho 25, 2007

Não consigo adormecer...

Intervalo doloroso

Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.

[…]

Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.
Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar.
Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.
Eu não teria horror à vida como a uma Coisa. A noção da vida como um Todo não me esmagaria os ombros do pensamento.
Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio. Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e actos.
Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia. Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas.
Esvai-se a névoa de que me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhecê-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.


A minha vida é como se me batessem com ela.

Bernardo Soares
in
“Livro do Desassossego”

sábado, julho 21, 2007

"Vem ver as garças..."

Vem…


Vem ver as garças,
dançando sobre o rio,
vamos ouvir no silêncio o crocitar macio,
o som das asas a adejar,
vem ver as garças, talvez assim nos possamos esquecer…
talvez voar?


“Que pássaros são aqueles?” (Nunca entendi nada dos pássaros).
“Não sei bem, garças, acho eu.” (E eram. Numerosa colónia residente do rio que no fim-de-tarde vem pavonear-se naquele pedaço de espelho rente à Foz).

O que procuramos no fim-de-tarde em que o sol vem beijar ferozmente a linha do rio? Uma fímbria de paz, um deserto da dor? Que fantasmas ousam assaltar-nos no final de tarde beira-rio? Quem se atreve a assombrar a luz macia beira-margem?

Vem…
Vem ver as garças comigo,
talvez nas suas asas o vento se aquiete,
talvez o rumo… a flor do silêncio…

Esta funda dificuldade em perceber o alcance das coisas que se sentem mesmo sem querer… e “o amor é” ainda qualquer coisa de funesto que arde na proa de um barco… “sem se ver”.

quarta-feira, julho 04, 2007

Oh Lord... show me the light!



terça-feira, julho 03, 2007

Avessas

Agarro-te a cintura,
enquanto te rasgo a pele –
primeiro por onde se soltam,
se separam,
os olhos do negro que a noite
havia pousado em ti.
Quero dizer-te que te amo
mas a voz deixa-me sempre ausente,
em falta para com o mundo
que se fecha, que me fecha,
nos teus braços.
Estar contigo é uma lembrança
que és ainda o gosto verde
da liberdade nos meus dentes
e tua é a saliva com que juntos
prendemos o desejo.