Esta Crónica de Segunda de hoje não é bem uma crónica mas antes um preito à solidão. Não me entendam mal – gosto de estar só. Costumo dizer, e acredito no que digo, que me agrada tanto a solidão como uma boa companhia. Não que conseguisse prevalecer em solidão mas também não sobreviveria sem longos momentos dela, gratos momentos de silêncio e interioridade onde me sento e escrevo coisas como esta.
Vem esta crónica a propósito de uma classe que conheço bem por inerência à minha vida particular – os médicos. Não falarei sobre eles mas sobre os seus amigos.
Dividem-se em duas distintas classes os amigos dos médicos – outros médicos e os outros, os não médicos. Os primeiros surgem pelas contingências próprias do exercício da profissão – uns apanhados nos bancos da faculdade e outros tantos pela via do trabalho, colegas de serviço, de hospital, de centro de saúde, etc. São uma seita de difícil digestão, se em volta de uma mesa é certinha a conversa sobre doenças e doentes, seus mandos e desmandos, antibióticos e clisteres, quando não são conversas ainda mais avessas por versarem escalas de urgência, noites perdidas, todo um rosário de maleitas concernentes a uma vida sem rumo ou rotinas de volta da dor, das feridas, da miséria e do nojo dos outros. Amámo-los mas fugimos deles, ninguém tem paciência para se ouvir em eco e se ver ao espelho todo o dia.
Há, depois, os não médicos. Desde colegas da escola perdidos no tempo ao vizinho do andar de cima com quem se fez amizade, as suas proveniências são as mais diversas. Com todos eles partilhamos segredos e ternuras, gargalhadas e lágrimas, como é natural. Têm estes amigos um traço comum, os amigos dos médicos não ligam para dizer “tenho saudades tuas” nem para dizer “sinto-te a falta” ou uma coisa mais comezinha tal como “Como estás? Tenho pensado em ti.” Os amigos dos médicos ligam para dizer “dói-me a cabeça” ou “dói-me a barriga”. Há que perceber isto como uma vantagem anti-pieguice, os amigos dos médicos quando os encontram na rua não lhes pedem abraços, pedem receitas e se vêm com saúde atestados de robustez. Claro que entre uma dor e outra nos desabam contra o peito e, amigos que somos, serenámo-los no afago do colo – e é tão bom isso! – quando a dor se acalma levantam voo como um pássaro ferido a quem tivéssemos remendado a asa e é bonito o seu voo que ficamos a vigiar de longe, sabendo sempre que hão-de voltar. Reconhecerão o lugar e a ele voltarão quando a próxima gripe lhes pegar. Abençoado seja o micróbio que os ataca.
E se estou aqui sozinha neste café não é porque os amigos que tenho não me sintam a falta – que tolice! É apenas porque os tratei bem, vacinados e vitaminados nada lhes dói. Graças a Deus!
Vem esta crónica a propósito de uma classe que conheço bem por inerência à minha vida particular – os médicos. Não falarei sobre eles mas sobre os seus amigos.
Dividem-se em duas distintas classes os amigos dos médicos – outros médicos e os outros, os não médicos. Os primeiros surgem pelas contingências próprias do exercício da profissão – uns apanhados nos bancos da faculdade e outros tantos pela via do trabalho, colegas de serviço, de hospital, de centro de saúde, etc. São uma seita de difícil digestão, se em volta de uma mesa é certinha a conversa sobre doenças e doentes, seus mandos e desmandos, antibióticos e clisteres, quando não são conversas ainda mais avessas por versarem escalas de urgência, noites perdidas, todo um rosário de maleitas concernentes a uma vida sem rumo ou rotinas de volta da dor, das feridas, da miséria e do nojo dos outros. Amámo-los mas fugimos deles, ninguém tem paciência para se ouvir em eco e se ver ao espelho todo o dia.
Há, depois, os não médicos. Desde colegas da escola perdidos no tempo ao vizinho do andar de cima com quem se fez amizade, as suas proveniências são as mais diversas. Com todos eles partilhamos segredos e ternuras, gargalhadas e lágrimas, como é natural. Têm estes amigos um traço comum, os amigos dos médicos não ligam para dizer “tenho saudades tuas” nem para dizer “sinto-te a falta” ou uma coisa mais comezinha tal como “Como estás? Tenho pensado em ti.” Os amigos dos médicos ligam para dizer “dói-me a cabeça” ou “dói-me a barriga”. Há que perceber isto como uma vantagem anti-pieguice, os amigos dos médicos quando os encontram na rua não lhes pedem abraços, pedem receitas e se vêm com saúde atestados de robustez. Claro que entre uma dor e outra nos desabam contra o peito e, amigos que somos, serenámo-los no afago do colo – e é tão bom isso! – quando a dor se acalma levantam voo como um pássaro ferido a quem tivéssemos remendado a asa e é bonito o seu voo que ficamos a vigiar de longe, sabendo sempre que hão-de voltar. Reconhecerão o lugar e a ele voltarão quando a próxima gripe lhes pegar. Abençoado seja o micróbio que os ataca.
E se estou aqui sozinha neste café não é porque os amigos que tenho não me sintam a falta – que tolice! É apenas porque os tratei bem, vacinados e vitaminados nada lhes dói. Graças a Deus!
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