quarta-feira, dezembro 29, 2010

Recuperações - Rua de Santa Catarina

Vejo-te
por entre a turba que vem descendo a rua
ali, além ou mais à frente.
Talvez nem sejas tu
mas apenas a tua sombra
ou um perfume de ti
ou talvez nem gente
ou talvez apenas o estéril desejo
de te ter assim etereamente.

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Crónicas, croniquetas e cronicões

Uma crónica de Natal (a Ano Novo)


Give Peace a chance!

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Sangue para um poema


Cravo as unhas na pele.
Forte,
mais forte!
Até sangrar por dentro.
Agora sim, o poema
é isento!

domingo, dezembro 19, 2010

Recuperações - As razões do amor



Amamo-nos
não pelas razões certas
mas por todas as erradas razões
que levam ao amor.
Talvez por isso
nunca abordamos esse assunto.

Recuperações - O ínício (ou a cápsula do tempo reinventado)


Aviso à navegação - este blog vai começar periodicamente a recuperar textos publicados em antanho em outros dois blogs antigos que tive, não estranhem se reencontrarem uma vida que já não existe!

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Nenhuma memória

Nenhuma memória nos vai livrar do esquecimento
nem encontrar os mais íntimos espaços da nossa pele,
nenhuma memória dos cheiros ou dos ventos,
dos gritos, das lágrimas, dos céus ou luas
que dobramos entre as mãos.

Nenhuma memória nos vai livrar do esquecimento,
memória nenhuma nos vai salvar.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta


O Sol a seu dono… dona!



Uma mulher espanhola, jurista, resolveu colocar o Sol em seu nome, veio nos jornais, com fotografia e tudo. Além da demência em que semelhante acto classifica a senhora em causa, apostada na benemerência, diz querer pôr o Astro Rei não ao seu serviço mas dos pobrezinhos, pretendendo usar os seus direitos de legítima proprietária para com isso cobrar um imposto a todas as empresas (e estou certa aos particulares) que dele se sirvam como fonte de energia, para com esses dividendos, dos quais a benemérita senhora diz só querer para si dez por cento, dez!, ajudar os pobrezinhos, multiplicados por várias casas de caridade.
Depois do senhor do adeus de Lisboa, que distribuía acenos e afecto aos passantes a troco de nada, a quem um grupo de cidadãos pretende erigir estátua acho que esta jurista espanhola merece igual encómio e espero que ao menos na sua terra natal, abençoada pelo sol, alguém tenha a ideia de o fazer.
Eu própria já estou a tratar dos papeis para colocar o ar em meu nome, tratarei logo a seguir de instituir um imposto, a pagar mensalmente, talvez junto das outras minudências que aparecem de brinde nas facturas da luz, a todos os que usem o ar, minha propriedade privada, quer seja para o respirar quer para o poluir e mais prometo também dar 90% aos pobrezinhos até porque é conveniente que esses possuam algum provento mais não seja que para fazer face ao mesmo imposto, admitindo que ainda respirem.
Parece-me pois um negócio justo e provavelmente dos mais lucrativos desde a invenção das infalíveis pulseiras do equilíbrio.

domingo, novembro 21, 2010

Silêncio, Paz e Solidão



Depois de ti,
todo o silêncio,
murmúrio de águas a apaziguar a dor,
o ventre dilacerado
pelas vagas da memória mas
sem ti,
apenas a chuva,
nem a música ou o seu silêncio
coalhado de ternuras,
só, tão só
o silêncio.

sexta-feira, novembro 19, 2010

segunda-feira, outubro 25, 2010

Crónicas, croniquetas e cronicões

Mais uma aqui:

Crónicas de Segunda (02) - Os Ídolos rastejantes

segunda-feira, outubro 18, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

E não os podemos enxotar?

Tenho vícios estranhos, admito, como aquele de precisar de estar só, a certas horas, em certos lugares, procedendo a certas actividades ou certas rotinas. Tenho uma absoluta necessidade de silêncio e solidão para me deixar ficar só a observar o mundo, mirado pela minha própria lente de aumento ou diminuição.
Às vezes acontece de, nesses momentos, ser importunada por um familiar ou um amigo e refiro-me aos amigos e familiares a quem amo, não aos chatos, às chagas que todos conhecemos, refiro-me mesmo às pessoas que mais amo, à família mais chegada e aos Amigos de á maiúsculo. Mas dizia, há vezes que uma (ou várias) dessas pessoas resolvem imiscuir-se nas minhas rotinas de solidão, insistem em acompanhar-me pela rua, em parar comigo nas mesmas montras, entrar comigo nas mesmas lojas, enfim – não me largam. Em férias, se fora de casa, o problema agrava-se. Quase sempre partilhando o hotel, o quarto, todas as refeições, a praia, a piscina, enfim, quase tudo – a privacidade fica reduzida a pequenos lampejos como seja um curto passeio a pé na redondeza, o momento em que se vai comprar o jornal ou os minutos de ir fazer xixi no quarto do hotel e, ainda assim, às vezes calha de alguém da pandilha ter a ideia abstrusa de nos acompanhar nessas idas por vontade semelhante seja a fisiológica seja a de comprar o jornal ou tomar café no bar em frente ao hotel.
Pergunto-me, às vezes, sobre a melhor forma, a menos rude, de lhes escapar, enfim, de os enxotar. Como me livrar deles sem os magoar? Será que não entendem que preciso, urgentemente, de ficar a sós comigo mesma para pensar? E em que penso eu, quando estou só? Penso nos Amigos e na Família, penso precisamente naqueles que amo. Preciso em absoluto dessa solidão para ficar a amá-los, a pensar neles. Preciso disso para escrever sobre eles, para lhes fazer um poema ou um texto tão palerma como este (e a minha absoluta e absurda necessidade de solidão).

Crónicas, croniquetas e cronicões

Mais uma, aqui:

Crónicas de Segunda (01): Alberto João, o grande humanista!

sexta-feira, outubro 01, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Dia Mundial da Música


É impossível pensar a música sem te pensar a ti, tu que eras todo música por dentro quando eu te conheci, um lume de música a arder-te nos braços, mesmo quando eras só silêncio. Às vezes dava contigo
(eu costumava entrar devagar pela tua retaguarda)
de braços erguidos, as mãos acima do nível dos ombros a conduzir uma orquestra imaginária, o horizonte
(o meu, que era o de quem entrava devagar pela tua retaguarda)
começava acima da linha larga desenhada pelos teus ombros e eu , a esse tempo, gostava que o meu horizonte começasse sobre a linha larga dos teus ombros. Era num ombro que te tocava, para acordar-te dessa viagem imaginária pela música da orquestra dentro de ti. Acordavas como resposta ao meu toque mas nos teus olhos a música continuava sempre, incessante e infinita, tudo dentro dos teus olhos.

É impossível pensar a música sem te pensar a ti, tu todo silêncios e pausas, quando eu te conheci, pausa, silêncio, paus
a, silêncio, pausa, mesmo quando falavas, mesmo quando te sentavas ao piano e interpretavas uma peça qualquer cujo nome e autor eu nunca sabia identificar
(nunca fui muito boa a identificar peças, bastava-me identificar-te a ti ao piano, podias ser um entre mil, sempre te identificaria, as costas direitas, o corpo retesado, o peito aberto e aquele balançar pendular em ângulo de 20º)
mesmo aí eras silêncios e pausas mais do que qualquer outro som percutido no piano.

É impossível pensar a música sem te pensar a ti, impossível! Ao pensar a música penso o mesmo que pensar-te, o piano no canto da sala, um ou dois violinos, uma viola, um violoncelo, nos dias bons um contra-baixo, um clarinete, um saxofone-alto, uma tuba
(lembras-te da tuba que inventaste naquela canção? Já não importa, ainda que não te lembres, a tuba apodreceu-te na ideia, ninguém a pôs em prática, mas eu registei, ficou em mim a tuba a tocar-me por dentro, aquele som gutural e fundo),
um xilofone, um espanta-espíritos a sacudir-se no vento como quando tu vinhas também a sacudir o vento dos meus dias.

É impossível pensar a música sem te pensar a ti, impossível! Por isso não me peçam para pensar a música.

terça-feira, setembro 28, 2010

Pedras

Do tempo sobram
as pedras,
sub-reptícias,
encontram leitos de água

doce
onde se vão deitar.

Do tempo sobram
pedras,
pedras de cinza
ou de cimento mas
pedras,
defuntas de vida,
lápides eternas.

Pedras.

segunda-feira, setembro 27, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

A migalha no lábio

Gosto de Ferreira Gullar, dos seus poemas, da forma como deixa o pó dos dias invadir-lhe a linguagem e deixa que esta nos invada, a forma como se permite o espanto para fazer dele poema e, por sua vez, nos espantar a nós – o poema como lugar de espanto! e o ponto de exclamação é disso mesmo o sinal – ideia mais caricata que transitou há algum tempo, de eliminar o exclamativo ponto da temível literatura que alguns iluminados diziam fazer! Cá está ele, mais uma vez, só para me fazer entender.
O Gullar, José Ri
bamar Ferreira, traz-me à ideia um dos meus poetas de estimação, seu homónimo, o José Gomes Ferreira – poeta do espanto e da exclamação dos dias, sempre com olhos a arregalar-se de tanta espantação. Daí que, por gostar do Gullar, tenha ficado muito contente quando lhe atribuíram o prémio Camões deste ano e, desde então, à conta disso, tenho andado a ler uma ou outra entrevista que com ele vão saindo em jornais e revistas, como aconteceu hoje no mais recente número do Jornal de Letras.
Conheci-o por acaso, quando numa livraria abri a sua obra, antologiada há uns anos pela Quasi. Não sabia quem era mas peguei no livro ao acaso, como gosto de fazer, e folheei-o também ao acaso. Desde então nunca mais esqueci o Gullar, presa que fiquei à sua poesia.
O homem é velho, muito magro, não é boni
to e tem um aspecto peculiar porque embora a idade e a magreza, feita de ossos compridos e estreitos, o rosto esquálido ornado de um cabelo quase pelos ombros de uma alvura imaculada, pudessem dar-lhe um ar frágil na verdade quando olho as suas fotografias comparo-o a uma velha árvore, de tronco longo e estreito, um negrilho como o do Torga, pelo Inverno e já sem folhas mas com um ar firme de resistir a todas as tempestades.
Terminando a entrevista que lia no jornal, reparei que sobre a fotografia a preto e branco do Poeta caíra uma migalha, pousada sobre o seu lábio inferior. Sacudi a migalha do jornal. Percebi depois que acabara de sacudir uma migalha do velho Gullar, afectuosamente, como o faria a um Amigo que ali estivesse a lanchar comigo no café. E ficamos assim mais íntimos, eu e o Poeta, à luz da intimidade que a Poesia nos concede.

domingo, setembro 19, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Uma explicação

O Nuno Abrunhosa, ex-director do defunto jornal Metro (não esse que agora por aí circula, mas o antigo, o original, aquele que havia no Porto bem antes da Micas perfuradora fazer os túneis por onde havia de embarcar o de superfície) colocou na internet algumas fotos recordando essa mesma publicação, conseguindo com isso que um bando de entusiastas – jornalistas, cartoonistas, cronistas e outros “artistas” se oferecerem para dar uma mãozinha assim o Nuno se abalançasse a relançar o projecto. Nesse embalo eu mesma lhe prometi escrever crónicas para uma cidade inventada alegando que esta já não inventa nada há mais de oito anos.
Tenho, porém, este problema com as palavras, apanham-me e depois perseguem-me, incomodam-me, dão comigo mesmo se me tento esconder delas e então… tenho de as matar, passá-las ao papel que é como quem diz anulá-las, conferir-lhes a necessária dignidade para depois as amachucar. Foi o que me aconteceu mal escrevi estas palavras mágicas “crónica para uma cidade inventada” – nunca mais esta frase deixou de me importunar e, por isso, vou ter de a matar aqui mesmo. E como nunca prometo o que não tenciono cumprir fica já aqui aquela que poderia muito bem ser a primeira “Crónica para uma cidade inventada” do número zero do Retro, ou Belzebu, ou Estafermo ou lá como o jornal se pudesse vir a intitular.

Crónica Para Uma Cidade Inventada



Nesta cidade não se inventa nada, nem os teus olhos, ou o seu lugar, pousado nas mesas do café, nos rabos das garotas que passam, nos sinos das torres ou nos telhados, nem os teus olhos. Nem outros olhos tão iguais aos teus que quase podiam ser eles – os teus olhos – ali, a olhar para mim. Mas não. Não há invenção nos dias desta cidade, os inventores fugiram todos para Marte (ou para a morte?) tomaram a carreira, o comboio, o avião! Como se foge para Marte? É de avião, não é? (E para a morte? De subterrâneo?)
Nesta cidade não se inventa nada, está tudo inventado, compra-se tudo feito, o produto acabado, mesmo que mal. Mal acabado, digo. Que digo eu, que não sei o que digo? É de foguetão – para Marte o foguetão! (E para a morte? O avião?).
Nesta cidade não se inventa nada, esta cidade já está inventada, só lhe resta a Torre, já perdeu a espada. Está feita uma Colombina meia aparvalhada, esta cidade que está sentada… na esplanada, está cansada. Cansada de esperar por ti, ou pelos teus olhos, ou por aqueles outros olhos que não sendo os teus olhos são tão como eles que bem podiam ser eles – os teus olhos – ali, a olhar por mim.
Nesta cidade não se inventa nada. Os teus olhos eram nela a última invenção e… não há invenção nos dias desta cidade. Os inventores fugiram todos para Marte (ou para a morte?). Uns foram para Marte de Vai-vem espacial (e outros para a morte de… funeral).

sexta-feira, setembro 03, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Hypnos

Está um homem com o tronco curvado sobre a mesa, na mesma mesa onde antes esperei por ti.
Está um homem com o tronco curvado sobre a mesa onde repousam também vários papéis em seu redor. Ali na “praça da restauração” do centro comercial. A cabeça do homem toca uma das folhas, teria adormecido, é velho, usa um fato um pouco puído e junto à mão direita, também sobre a mesa, uma esferográfica que deve ter-se soltado de entre os dedos. O homem dorme, acho, curvado sobre as palavras, ou os números, sobre sabe-se lá que assunto. Talvez seja reformado – é velho – de volta das contas do imposto que alguém sem tempo confiou à sua sabedoria ou talvez trabalhe ainda, anos e anos e palavras ou números curvando-se sobre as folhas dispersas naquela ou noutras mesas e por isso se deixou adormecer, os anos pesando-lhe sobre o dorso, a caneta soltando-se-lhe dos dedos. Pago o meu café e sento-me na mesa em frente para o tomar. O homem dorme ainda, ou penso que dorme. As pessoas passam indiferentes, alguns olham-no outros nem isso. Os que o olham pensam como eu penso, que está a dormir, as outras não pensam no homem que se deixou adormecer, o dorso curvado sobre a mesa, a testa pousada no papel a esferográfica junto à mão direita, presa na mesa.
O homem dorme, ou penso que dorme. Talvez esteja morto e amanhã no jornal “Um homem morre enquanto organiza papeis” ou “Idoso encontrado morto na praça da restauração” e o velho será notícia e falarão sobre ele no dia seguinte, talvez até na televisão, o ar compungido do pivô do jornal “Um septuagenário, foi encontrado morto, ontem, no centro comercial”. Talvez expliquem dos papéis que o homem certamente antes retirara de dentro da velhíssima pasta de couro que está junto dele numa cadeira, uma pasta esboroada, castanha, muito gasta, o fecho aberto – tive uma pasta com um fecho assim nos meus tempos de escola e outra que em vez de um tinha dois, iguais e simétricos.
Talvez esteja morto, como também eu morri já várias vezes naquela mesma mesa do centro comercial, enquanto me sento e penso que tu, ou talvez já não tu mas a memória que guardo de ti ou tu como alguém muito parecido contigo mas não bem a mesma pessoa que guardo na memória, naquela mesma mesa, não morto mas vivo, olhando-me e sorrindo.
Tossiu, apalpou a mesa com ambas as mãos, o homem ergueu-se do seu torpor esfregando os olhos com a mão esquerda e com a direita apanhando da mesa a caneta. Recompôs a postura e endireitou os papéis. As pálpebras pesavam-lhe ainda, bem o percebi.
Suponho que eu e ele, o homem, havíamos de morrer ainda umas tantas vezes, ali mesmo naquela mesa onde antes esperei por ti.

segunda-feira, agosto 23, 2010

Poema para enrolar o mar

Provavelmente o mar resiste nos meus olhos
e talvez a cada vez que olhes o mar…,
não.
Provavelmente não.
Provavelmente o mar
há-de morar noutros olhos
e talvez a cada vez que olhes esses olhos onde mora o mar…,
não.
Provavelmente também não.

Provavelmente o mar
que guardas dentro de ti
é um mar mais longe,
um mais distante de nós,
e mesmo quando olhas
esses outros olhos onde mora o mar,
não há nesse mar lugar em que me possas deitar.

terça-feira, agosto 17, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Prostituição de afectos

Vista da minha esplanada: Três alminhas penadas cruzam repetidamente a rua com cartazes prometendo abraços grátis, com a respectiva tradução em inglês (nestas coisas há que ser internacional). Já vi, por diversas vezes, estas ou outras criaturas oferecendo o gratuito amplexo e sempre essa ideia me deixa um íntimo amargor tal qual como quando me cruzo com a velhice e o ranço estampados em tantos rostos, quase sempre de olhares vazios, certamente muito precisando de um abraço não este, esbanjado por tolice e juventude, mas um que apertasse até ao fundo da alma e lavasse com ele o musgo das lágrimas.
(Apontamento: reler José Gomes Ferreira)

Relembro que um dia encontrei um blog – que suponho já esteja transformado em livro que é o que acaba por acontecer a todos os blogs descritivos do dia-a-dia particularmente se tiverem origem em experiencias, ainda que temporárias, de prostituição – em que um desempregado havia criado uma indústria florescente a vender, pasme-se, horas de amizade. O cavalheiro em causa não alugava a cama nem qualquer recreio libidinoso, alugava a amizade aos seus clientes. Pessoa a quem faltasse um amigo para o desabafo, para ajudar a escolher roupa nos saldos ou mesmo para acompanhar nas horas difíceis como a ida ao dentista, contratava os seus serviços et voilá um amigo ao dispor de vossência! – Prostituto de amizade, portanto.
Um dia observei um doente carcomido – o termo é literal – por um tumor que, aquando do diagnóstico, teria recusado prosseguir o estudo ou efectuar qualquer terapêutica. Quando me procurou tinha uma orelha em decomposição, com cartilagem corroída empapada em pus, apresentando-se pobremente vestido, com um casacão de malha velho muito pingão e emborbotado, contrastando com o bem-falar e gentileza do doente. Sabendo da sua sumária recusa em deixar-se tratar questionei-o sobre filhos, respondeu-me que não tinha, não sendo casado referiu vagamente que dividia a vida com uma mulher mais jovem mas sacudiu o assunto com um aceno que compreendi e não prossegui o interrogatório. O problema que o levara até mim era minor e foi ilusoriamente resolvido até novo achaque. No momento era o que trazia incomodado e o futuro daquele homem era o momento presente. Uma vez esse assunto resolvido, não tinha mais a oferecer-lhe.
Acompanhei-o à porta e, já a cruzar o umbral, voltou-se e disse-me “sabe doutora, só queria que ela viesse depressa”. Tive tanta vontade de o abraçar – prostituta de abraços.

segunda-feira, agosto 16, 2010

Quando voltares

Quando voltares
talvez voltes poema,
um risco no céu de Primavera
ou o cantar primevo do pássaro nocturno
numa tarde de Inverno.

Quando voltares
poderás ser a rima
entrecortada no meio do verso,
um soneto inacabado
ou uma ode de esperança.

Quando voltares

e o mundo te devolver
a luz primeira
que antes havia
no teu olhar de criança.

domingo, agosto 15, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Tentativa de esgotar-me por dentro em viagem por caminhos dentro de mim.

Aprendi com Enrique Vila Matas, numa sua crónica em “Da cidade nervosa” que George Perec havia escrito “Tentativa de esgotar um lugar parisiense” tendo como lugar de observação o Café dela Mairie. Seguindo-lhe a ideia o próprio Vila Matas se apostou em repeti-lo, tentando “esgotar” a Praça Rovira em Barcelona. Procuravam descrever exaustivamente tudo o que, naqueles lugares já amplamente inventariados de estátuas, igrejas e monumentos, “se passa quando não se passa nada. Só o tempo, as pessoas, os carros, as ruas.”
Pareceu-me bem e foi a pensar nisto que dei por mim a “esgotar” não um lugar de onde me colocasse a observar o mundo mas os vários lugares por onde passei (escrevo o relato à posteriori) de um caminho antigo que percorri na vida umas mil vezes, ora de ida, ora de regresso, ora de passeio, ora de passagem e, ultimamente, cada vez menos.
Estar ainda de férias no meio de Agosto e no Porto pode ser visto como uma bênção. As horas parecem mais compridas e as ruas mais largas. Lojas fechadas dão à cidade um ar sépia fantasmagórico. São poucas as hipóteses de encontrar as pessoas do costume nos lugares usuais, é como se de repente fizéssemos um passeio à nossa cidade sem ser na nossa cidade, como numa viagem ao tempo, como regressar a um país deserto.
Desço a Rua António Carneyro como numa viagem a mim mesma, por dentro da memória, eis-me de novo, na rua de sempre, mas noutro tempo que não o antigo, que não o presente, num tempo imaginado. Aproveito a sombra, espreito o pequeno café que mudou de nome, vazio, defunto, fechado até novas aulas. É uma da tarde. O “Pires de Lima”, construção maciça e feia de cimento armado em vários blocos, fechadíssimo para férias, nem vivalma. Mais abaixo o “Raínha”, meu velho liceu. Olho-o do outro lado da rua. Deixou de ser escola, é DREN. Pergunto-me a serventia agora de um pavilhão com ginásio, com mais do que uma sala, balneários, os laboratórios e anfiteatros de física, química e biologia, que uso lhes estará destinado, uma escola construída de raiz para o ser… Talvez essas zonas sejam agora uma montureira de papéis, como o jardim o é de silvas? Haverá funcionários para esgotar tanto espaço, tanta sala de aulas? Ou será este edifício como um enorme navio fantasma de ventre inchado mas vazio? Nunca lá entrei. A porta envidraçada foi reformulada, tem ar de repartição modernaça. A estátua da Raínha Santa que centrava o átrio, com flores no regaço (e onde alguém por vezes depositava rosas verdadeiras numa pequena jarra) desapareceu. A Raínha tem como dia litúrgico o mesmo do meu aniversário, era uma coincidência que me divertia – são rosas, senhor, são rosas – e agora o que são? E onde estão as rosas? O que diria disto o Rei Poeta D. Deniz? Abaixo ainda o “Raínha velho” que agora é Comando da PSP, suponho que melhor serviria à Polícia o ginásio e o espaço aberto, enfim, mas ei-los no velho edifício por fora muito pintado. Por dentro não conheço agora, mas aposto que a velha escada ainda range e num certo degrau – clack. Há este aspecto romântico e português que faz lembrar cenário de filmes – a polícia numa velha casa de tipo senhorial com escadas em madeira que rangem.
Adiante. Atravesso para o Heroísmo. Na esquina a “Estrela”, fechada. Continuo na direcção do Largo Soares dos Reis. À esquerda a “Cozinha do Manel”, fechada até tantos de Agosto, férias. Sempre que ali passo recordo não as vezes que lá jantei, o que comi, com quem estava ou o que se disse mas antes uma noite de Outubro em que entrei e saí (coisa tipo filme de espionagem barato), nem passei do balcão, mas à saída transportava um tesouro mágico nas mãos, apertando-o contra o peito e que guardo até hoje na gaveta da memória, há coisas que nunca se esquecem. Em frente o “Nova Sintra” fechado. A antiga residência/escritório de um Amigo devidamente desactivado, possivelmente para sempre, mais uma casa fantasma. Os cortinados já cinza-tule corridos, as portadas fechadas por trás deles, numa janela inferior – terá cave aquilo? – um vidro partido, algum lixo enfiado entre o vidro e a grade. Tive vontade de lhe tocar ao batente, a ver se alguma alma penada me responderia do outro lado. Abaixo ainda a defunta oficina/stand da Renault, fechada e abandonada há anos sem fim. A loja de fotografia fechada. Um barbeiro à antiga, fechado. Adiante o STOP, fantasma de centro comercial apagado, agora pintado de cores garridas. Stop 1 e Stop 2 – a primeira matiné sozinha – Lobijovem com Michael J. Fox e a filmografia do Tom Cruise – Top Gun, A cor do dinheiro e o que mais houvesse. Diz que agora é um armazém de bandas de garagem, um alfobre de talentos – pois será – visto de fora, as luzes apagadas nas lojas desaparecidas é bem um fantasma. Uma velha de perna arcada, saia rodada e puxo na cabeça entra decidida e vai manquelitando os primeiros degraus – punk rock, penso. O “Rei dos lanches”, fechado. Na esquina seguinte o Museu Militar, antiga sede da Pide, quantos lá não terão sido torturados até chibar ou morrer? Lembrei o José Gomes Ferreira a engolir poemas em seco quando ali veio visitar o filho. A seguir o cemitério, tenho lá jazigo, para que nunca me falte a velha rua de sempre quando eu própria me for desta para melhor. Tenho lá o meu Pai, não bem o meu Pai mas o que lhe resta dos ossos, desarticulados, sem carne, sem vida – aquilo não é o meu Pai, o meu Pai é a fotografia dos olhos iguais aos meus só que castanhos e maiores, quando muito o Pai é também as flores cobrindo a lápide, vivas e inteiras como ele era, vivo e inteiro, não aquele armazém de ossos fora do lugar, encaixotados. Na verdade nesta volta toda esta rua me parece já um longo cemitério de afectos, eu própria várias vezes morta – primeiro eu-criança, depois eu-adolescente, depois eu-adulta, eu, enfim, várias vezes morta dentro de mim.
Adiante. Atravesso o largo e sento-me na confeitaria. Venho cá menos vezes agora, fica-me menos à mão. Não peço nada, o Sr. Luís ainda se lembra – é café com adoçante, curto. É daqui que escrevo estas tolices antes que me arrefeça o café e a memória. Talvez fique aqui a fazer rodopiar o troco de moedas sobre a mesa.

quarta-feira, agosto 11, 2010

"Já é tarde. Deixa ficar."

Gostei de ver-te Amigo velho, de velhas andanças. Reconhecer-te os traços na luz fria da noite, melhorar o que trazia de ti, de memória. Reconhecer-te a tez, a textura da pele, pormenores pequenos que havia perdido faz tanto tempo.
O tempo corrói-nos, carcomendo-nos as miudezas da memória e vamos perdendo a nitidez, o pormenor, em pouco tempo somos outros e mal nos reconhecemos.
Foi bom distinguir velhos sinais, imperfeições e rugas, por um momento tornaste a ser real ao invés de um espectro mental que muda de cor e textura conforme uma fotografia, ora mais cinzenta ora mais colorida, ora mais de perto, ora mais ao longe.
Distância perfeita aquela, cinco ou seis metros, talvez sete, entre nós, impedindo o toque, a intimidade, o diálogo, a fala, o cheiro e no entanto, ia jurar que naquele espaço os nossos silêncios se tocaram, como só dois silêncios sabem tocar-se, roçando-se discretos e íntimos, como dois velhos silêncios, habituados a estarem calados, traduzindo sem palavras tudo quanto não precisa ser dito.
À distância de cinco ou seis metros, talvez sete, reencontrei em ti mais do que procurava. Um sorriso apertado entre os dentes, um certo ondular no andar como uma dança incoerente, algumas palavras não para mim mas que eu conhecia como dantes, um certo olhar sem destino fixo, os gestos, sempre os mesmos, que eu já quase esquecera no fundo da ideia.
À distância de cinco, seis metros, talvez sete, não mais, achei-te um pouco mais magro, não se perde nada, ficas melhor mais seco de carnes, um tanto mais velho diria, é normal, o tempo é inexorável, não se perde fixo nas lembranças que guardamos.
Foi bom ver-te Amigo velho, à distância de cinco, seis metros, não mais que sete, assim de frente, viagem melancólica a quando te conheci e, de repente, como se um filme, esta e outra e ainda outra imagem percorrendo-me por dentro, avancei uns anos nas recordações, desde aquela imagem parada deste mesmo rio visto de outro lugar. Antes era de um lado o rio e de outro a multidão, agora era o rio de um lado e de outro o coração – em caso de dúvida escolher o coração. Lembra-me para que não me esqueça de que lado me bates por dentro.

sábado, julho 31, 2010

Qual de ti?

A quem buscas
no declive,
no vórtice,
na voragem
acutilante,
na verborreia,
na luz pálida
do inebriante néon
que te rodeia?

Um dia
ver-te-ás ao espelho,
olharás o fundo
dos teus olhos
com os mesmos olhos
que se reflectem.
Precipita-te
sobre a imagem – vê – eras
afinal tu
quem procuravas encontrar e
afinal estavas ali,
num lugar dentro de ti!
Ou estarás apenas
por trás do reflexo?
Haverá outro Tu
do lado de lá do espelho?
Serás Tu e Tu como
Tu e um seu Eu alheio?

Qual preferes?
Esse que sente
ou o do reflexo?
Qual deles é
e qual deles mente?
O que abraça?
Ou o que mora
reflectido por trás
da vidraça?

Serás tu
ou o teu eco
quem passa?


In “Circulação Transversa”

quarta-feira, junho 23, 2010

Sobre os anjos

Em memória de meu Pai
07/12/1931 - 24/06/1996

Sobre os anjos


Se os anjos partissem,
em silêncio,
e se do seu silêncio
se fizesse casa,
um refúgio,
um lugar de sombras pardas,
onde cada um de nós
se pudesse recolher

a horas tardas.


Se os anjos partissem,
em sossego,
e se desse sossego
se fizesse templo,
um regaço,
um lugar para além do frio,
onde cada um de nós
se pudesse proteger

deste vazio.

Se os anjos regressassem,
noite adentro,
em silêncio vigilantes,
como o vento,
beijando-nos no sono como um sonho,
suspensos já, seríamos no tempo,
e esta inundação de luz

por dentro.

quinta-feira, junho 17, 2010

Momento de Pub

"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça"


Isto acontece no Stand A05 - Clube Literário do Porto (zona azul) já perto da estátua do D.Pedro IV.

domingo, junho 13, 2010

Poema da possessão




A manhã nascia anelada
nos teus cabelos,
eu abria os olhos,
de mansinho, só
para te ver dormir
antes que o Sol
embirrento
te viesse despertar e descobrir.

Enquanto dormisses
serias só meu,
por ninguém mais
te poder ver assim
despido de ti…


In "Circulação Transversa"

segunda-feira, junho 07, 2010

Momento de Pub


O "Luz Vertical" (imagem à esquerda) e o "Urgência das Palavras" (imagem inferior) ...



...estão neste momento a residir aqui...



Feira do Livro do Porto, Av. Aliados, stand A05 - Clube Literário do Porto

quinta-feira, maio 13, 2010

Uns mais perto e outros mais Longe


Ou ai que bonito que eu fico na Fnac!

domingo, maio 09, 2010

Pub - FNAC Stª Catarina


domingo, maio 02, 2010

Sombra

Hoje a minha sombra
vai-te perseguir,
vai andar contigo
onde tiveres de ir.

Podes ir para longe,
ou para qualquer lugar,
que hoje a minha sombra
não te vai largar,
como um fantasma,
uma assombração,
um crime perfeito
sem absolvição,
a ocupar-te o leito,
a fugir-te da mão,
hoje a minha sombra
vai ser o teu chão.

No calor das luzes,
no meio do caos,
quando és quem seduzes
ou se te são maus,
no topo do mundo
ou no fim, no buraco,
hás-de encontrar a sombra
na gola do casaco.

Se te sentires rei
ou um vão perdedor,
terás sempre a sombra
a amparar-te a dor.

quinta-feira, abril 29, 2010

Sobre a lua e outras maluquices


Escrevi isto em 2002, vejam só, 2002! Vejam lá para o que me havia de dar!

O luar


A lua era o quarto minguante
na rua que qual quimera
se apagou no teu semblante
e se fez fogo, espada, fera!

A lua era uma maga
de bruxedo triunfante
e é a lua quem te apaga
e te acende a cada instante.

A lua veio liberta
contar-me histórias banais
pôs-me a vida tão deserta
fez-me as horas tão iguais.

A lua não perguntou
nem quis ter hora marcada,
veio entrando e em mim entrou
deixou-me a alma penada.

A lua é uma vingança
que me deixa o teu olhar
que ao mirar-me adia a esperança
que eu tenho de te encontrar.

A lua já nem existe
estou eu só a imaginar
que qualquer luar é triste
se nele não te divisar.

segunda-feira, abril 19, 2010

Revista WE - Entrevista

Clicke sobre a foto para conseguir ler:


quinta-feira, abril 15, 2010

Não te vou levar

Não te vou levar,
vais ficar aqui,
hás-de pernoitar
só, dentro de ti.
Não te vou levar,
já não adianta,
perdeste o lugar,
já ninguém te canta.

E se amanhã
ainda te lembrares,
há-de ser depois
de quando acordares
e deres por ela
que o barco partiu,
que insuflou a vela,
e se ergueu nas pás,
que eu parti na sela
mas tu ainda cá estás.

quarta-feira, abril 14, 2010

Foste

O teu corpo vai pelas ruas,
ainda te vejo a afastar,
e eu tenho saudades tuas,
da pele nublada de luas,
no teu peito a respirar.

Tornas a curva da esquina,
mas permaneces aqui,
trocas as voltas à sina,
diz-me
- agora és feliz?

Não sei que tempo é o teu,
se ainda te perdes pelo céu,
se ainda me gritas o nome,
ou se já tudo se some
onde a alma se perdeu.

Tornas a curva do tempo,
mas permaneces em mim,
é teu este compasso lento,
diz-me
- chegamos ao fim?

quarta-feira, abril 07, 2010

Tudo sobre caixas-de-música

Este poema nunca ficou "direito", ando há anos a escrevê-lo mas não vai lá das pernas... estou prestes a desistir dele e, como tal, deixo-o aqui mesmo "perneta".
É, afinal, tudo sobre caixas-de-música, o encanto que despertam também em mim e as estórias doces de outras músicas feitas "sobre" as das caixas-de-música, máquinas de som.



A bailarina

Eu sei que dos teus olhos
saltava sempre a bailarina
da caixa de música

E os seus braços erguidos,
em arco, sobre a cabeça,
não eram senão os mesmos
que te abraçavam o sono

Sei que, nos teus olhos,
a bailarina em pontas,
rodopio infinito,
é uma mulher só tua,
perdida nos teus braços de menino
que se esqueceu de crescer

E o amor que achavas na ânsia
com que a noite te despia
era sempre a bailarina,
que na caixinha da infância,
em música te adormecia

Recordas ainda, nos teus olhos,
(tu o sabes e os escondes,
por pudor, que outros também)
a doce epifania
dos seus braços no teu peito,
a bailarina que inventada, rodopia
crescendo em ti um bailado perfeito

Em pontas
na ponta do teu desejo,
bailando-te pelos olhos
como um beijo,
do teu corpo vai fazendo a melodia,
com a língua molhada no teu solfejo.

segunda-feira, março 29, 2010

O miúdo que pregava pregos numa tábua

Li hoje, de uma assentada, o livro d’”O miúdo que pregava pregos numa tábua” e aprendi mais sobre literatura e música do que se tivesse lido uma enciclopédia sobre ambos os assuntos. Estou, como habitualmente, apaixonada por este Poeta. É um amor antigo que nasceu mais das prosas que dos poemas. Os seus poemas são quase sempre demasiado épicos, soube agora que pretendia continuar “Os Lusíadas”, acho que tem conseguido.
Não sei ainda se votarei nele para Presidente, provavelmente sim, já o fiz uma vez. É, aliás, uma desresponsabilização por saber que os Poetas nunca são Presidentes da República. Deve mesmo ser doloroso ao Poeta vestir-se de político, espartilhar-se à mentira e ao conformismo mesmo o seu que é, ainda assim, inconformado. Os Poetas, sabemos, andam sempre nus, e a pele do corpo é o Poema.
Nunca falei com Manuel Alegre, nem sei se gostaria de o fazer. Assim, sem o conhecer ou falar com ele posso continuar apaixonada pelo Poeta que escreve as mais belas prosas, mas gostava só de perguntar-lhe o porquê da ausência de vírgulas no correr do Poema, isso gostava.
Poemas para o tempo que não há.

domingo, março 28, 2010

Se eu escrevesse canções escrevia assim...

Distância

Fomos anjos do espanto,
dos desejos contidos,
conhecemo-nos tanto,
com todos os sentidos.

Tatuamos a pele
com silêncios e vento
mas o sol foi cruel
acordou-nos do tempo.

E é tão longe
o lugar onde fomos,
tão longe
para onde partimos,
é tão longe
a distância a que estamos,
tão longe
quando nos despedimos.

E na memória dos dias
e na das noites perdidas,
temos tantas relíquias,
de distâncias vencidas.

Há tanto espaço entre nós
e tanto tempo vertido,
que duvido que os nós
cegos façam sentido.

E é tão longe
o lugar onde fomos,
tão longe
para onde partimos,
é tão longe
a distância a que estamos,
tão longe
quando não nos sentimos.

sexta-feira, março 26, 2010

O que resta nos escombros do silêncio

Serás, amanhã, notícia no jornal
e isso que importa,
não estarei lá para ler
de ti a folha morta,
já não te acompanho no silêncio
das portadas,
já de nós não há memória
ao descermos estas escadas

fomos rio impetuoso
que esbarrou sem liberdade,
na barragem construída
entre rugas de saudade,
fomos vento que passou
tão leve e ledo,
que o amanhã tornou-se um ontem

feito medo.
Fomos alma, fomos cor,
ou coisa breve,
e fomos morrendo os dois
cheios de neve
nos meandros da memória
que nos serve esta liquefeita
angústia que se bebe

domingo, março 21, 2010

Bom dia da Poesia

Creio em um só Poema,
de luz alva, evidente
e fria,
um Poema raso,
de rima sombria,
poema escape, poema sinfonia.

Creio em um só Poema,
de luzes fixas, presas
na cidade,
um Poema de água lisa,
de água forte,
Poema promessa de liberdade.

Creio em um só Poema,
poema coisa que ainda há-de vir,
poema rasgo, poema de vestir,
poema soneto, poema souvenir.


Creio em um só poema
…e nos teus olhos que só eu sei despir.

sábado, março 13, 2010

Eros & Thanatos

Eu também gostaria de contar aqui, neste blog, como foi o debate sobre "Eros & Thanatos - o Amor e a Morte na Poesia" - no qual tive o gosto de participar, com o Rui Almeida como interlocutor e com a Celeste Pereira a moderar...
Mas sobre o dito debate, que aconteceu no dia 12 no Clube Literário do Porto, diz a Celeste muito melhor do que eu no seu blog http://www.donagataempontodecruz.com/ querem ver? Ora vejam lá AQUI!

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Sobre o que o tempo nos faz

Quando eu te conheci não usavas relógio

Quando eu te conheci não usavas relógio.
Rasgavas o tempo com as pontas dos dedos
como se rasgasses desejos,
ou murmúrios
ou medos…

Quando eu te conheci não usavas relógio.
O tempo adormecia-te nas mãos
e as mãos percorriam o marfim
no esteio de um tempo de todos os silêncios.

Quando eu te conheci
o tempo soprava-te no rosto,
a afagar-te as rugas e as imperfeições,
a beijar-te nos olhos a dor
de todos os cansaços,
o peso no peito
de todas as aflições.

Agora prende-se ao teu pulso
o burburinho das horas,
um ataque de ponteiros
na engrenagem dos segundos,
como se o teu tempo
coubesse fechado
no espaço redondo
de um vidro quadrado

Quando eu te conheci não usavas relógio.

Então agora diz-me…

Que horas são?
Na tua confusão de silêncios e demoras
que horas são em ti,
agora que é em ti
que se prendem as horas?

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Créditos devidos

Por incorrecção minha a imagem apresentada no post anterior não apresentava nem título nem autor. Aqui vai a correcta identificação com os meus pedidos de desculpa.

Girl before a mirror - P. R. Picasso

domingo, fevereiro 14, 2010

Happy Valentine

A propósito do dia de S. Valentim como propósito de falar sobre ele… o AMOR


Que pode uma criatura senão
entre outras criaturas AMAR?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre e até de olhos vidrados AMAR?

Carlos Drummond de Andrade

sábado, fevereiro 13, 2010

Só à noite os gatos são pardos

“Só à noite os gatos são pardos” é uma antologia de textos inéditos de autores contemporâneos organizada por Jorge Velhote e Patrícia Pereira e prefaciado por Sara Canelhas. Este livro foi editado pelo "Cantinho do Tareco - Associação de Protecção Animal e pretende angariar fundos para acarinhar mais alguns tarecos.

Participam:

A.Dassilva O., Alexandra Malheiro, Amadeu Baptista, Ana Luísa Amaral, António Barbedo, António Ferra, António José Queirós, Aurelino Costa, Bruno Bréu, Carlos Lizán, Carlos Poças Falcão, Cristina Carvalho, Diogo Alcoforado, Fernando de Castro Branco, Fernando Eschevarría, Francisco Duarte Mangas, Gabriel Mário Dia, Henrique Manuel Bento Fialho, Inês Lourenço, Isabel Cristina Pires, João Manuel Ribeiro, Jorge Velhote, José Álvaro Afonso, José Emílio-Nelson, José Leon Machado, José Miguel Braga, José Viale Moutinho, Luís Filipe Cristóvão, Luísa Ribeiro, Maria do Carmo Serén, Mário Anacleto, Nuno Dempster, Renato Roque, Rosa Alice Branco, Rui Amaral Mendes, Rui Lage, Sara Canelhas, Soledade Santos, Tiago Worth Nicolau, Teresa Tudela, Vergílio Alberto Vieira, Victor Vicente, Vítor Oliveira Jorge.



A minha contribuição:


Um gato em Janeiro

Eras tu quem primeiro anunciava
o silêncio na casa,
levantavas o corpo, arqueando-o
e descias a escada,
acudindo ao sol, que te murchava no colo
seu derradeiro laivo insidioso.

Às vezes
confundia-se o gelo verde dos teus olhos
com a luz de um semáforo
aberto e livre
ao Invernoso cio da cidade.

domingo, fevereiro 07, 2010

Divina Música - Assístolia

Recebi hoje o livro Divina Música – Antologia de Poesia sobre Música – edição comemorativa do 25º aniversário do Conservatório Regional de Música de Viseu Dr. José Azeredo Perdigão – selecção e organização da responsabilidade do Poeta Amadeu Baptista, a quem agradeço o convite para nela participar.

Desta antologia fazem parte poemas dos seguintes autores:

Adalberto Alves, Affonso Romano de Sant’Ana, Albano Martins, Alexandra Malheiro, Alexandre Vargas, Alexei Bueno, Amadeu Baptista, Ana Hatherly, Ana Luísa Amaral, Ana Mafalda Leite, Ana Marques Gastão, Ana Salomé, Ana Sousa, António Brasileiro, António Cabrita, António Cândido Franco, António Ferra, António Gregório, António José Queirós, António Osório, António Rebordão Navarro, António Salvado, Artur Aleixo, Bruno Béu, C. Ronald, Camilo Mota, Carlos Felipe Moisés, Carlos Garcia de Castro, Casimiro de Brito, Cláudio Daniel, Cristina Carvalho, Daniel Abrunheiro, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Danny Spínola, Davi Reis, Donizete Galvão, E.M. de Melo e Castro, Edimilson de Almeida Pereira, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduíno de Jesus, Ernesto Rodrigues, Eunice Arruda, Fernando de Castro Branco, Fernando Echevarría, Fernando Esteves Pinto, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Fernando Grade, Fernando Guimarães, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Curate, Gonçalo Salvado, Graça Magalhães, Graça Pires, Henrique Manuel Bento Fialho, Hugo Milhanas Machado, Iacyr Anderson Freitas, Inês Lourenço, Isabel Cristina Pires, Jaime Rocha, Joaquim Cardoso Dias, João Aparício, João Camilo, João Candeias, João Manuel Ribeiro, João Moita, João Rasteiro, João Rios, João Rui de Sousa, João Tala, Joaquim Feio, Jorge Arrimar, Jorge Reis-Sá, Jorge Velhote, José Agostinho Baptista, José Carlos Barros, José do Carmo Francisco, José Luís Mendonça, José Luís Peixoto, José Manuel Vasconcelos, José Mário Silva, José Miguel Silva, José Tolentino de Mendonça, Júlio Polidoro, Levi Condinho, Luís Amorim de Sousa, Luís Filipe Cristóvão, Luís Quintais, Luís Soares Barbosa, manuel a. domingos, Margarida Vale de Gato, Maria Andersen, Maria Estela Guedes, Maria João Reynaud, Maria Teresa Horta, Miguel-Manso, Miguel Martins, Myriam Jubilot de Carvalho, Nicolau Saião, Nuno Dempster, Nuno Júdice, Nuno Rebocho, Ondjaki, Ozias Filho, Patrícia Tenório, Paula Cristina Costa, Paulo Ramalho, Paulo Tavares, Prisca Agustoni, Risoleta Pinto Pedro, Roberval Alves Pereira, Rosa Alice Branco, Rui Almeida, Rui Caeiro, Rui Coias, Rui Costa, Ruy Ventura, Sara Canelhas, Soledade Santos, Teresa Tudela, Torquato da Luz, Urbano Bettencourt, Vasco Graça Moura, Vera Lúcia de Oliveira, Vergílio Alberto Vieira, Victor Oliveira Mateus, Virgílio de Lemos, Vítor Nogueira, Vítor Oliveira Jorge, Yvette K. Centeno, Zetho Cunha Gonçalves.



A minha contribuição …

Assístolia


Se encostasse o ouvido,
podia escutar o silêncio,
lentamente,
escorrendo pelas paredes .

Se parasse o ruidoso tropel
do coração (enquanto encostava o ouvido)
podia ouvir a música,
brotando dentro do silêncio.

Só era preciso suster a respiração…
e… parar,
subitamente,

o bater do coração.

domingo, janeiro 31, 2010

Os mortos vivos

Nunca fui grande adepta de vampiros, nunca estes exerceram sobre mim nenhuma especial sedução por forma a que me dedicasse a literatura ou cinefilia à volta desse tema. Sempre me pareceram um pouco pirosos estes avantesmas de caninos afiados, apesar das inúmeras estórias, desde os tempos áureos de Bela Lugosi, nunca me impressionaram por aí adiante, questões de gosto.
Eis senão quando estes se tornaram a moda, diria mesmo a coqueluche televisiva, cinematográfica e literária, como que possuídos pelas dentuças ferradas nos seus pescoços os responsáveis pelo fabrico de filmes e seriezecas de toda a espécie desataram a sugar o sangue dos espectadores gota a gota até à exaustão do tema (e da paciência).
Perante tal assoberbamento do tempo de antena pela vampiragem (da qual só me vem à ideia o “eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada” de boa memória e sempre actualizado com a política corrente) apeteceu-me divagar não sobre este mito sanguessuga mas sobre outro não menos tétrico e deprimente que é o dos mortos-vivos.
Dava-se-me agora ficar a dissertar sobre aqueles que, vivos, deixamos morrer dentro de nós ou mesmo quando somos nós que os outros deixam morrer sem avisar, sobre a forma como vamos perdendo espaço uns nos outros até sermos os mais reais zombies que a ficção não ousa imitar. Sobre isso poderia fazer o tema de uma crónica, qualquer coisa como um brinde aos zombies, aos mortos-vivos que eu deixei acontecer ou que deixaram que eu deixasse e assim por aí fora… Seria certamente um belo tema para a crónica mas, subitamente, uma voz em mim “mas tu não escreves crónicas!” – pois não, mas não me importaria!


quarta-feira, janeiro 27, 2010

Fame and fortune - Part II

Agora a sério:

Entrevista sobre "Luz Vertical" em País Positivo ---> Aqui

terça-feira, janeiro 26, 2010

Fame and fortune!

Na Visão de 21/01/2010:



Eu mais ele (o "Luz Vertical") na Visão em tanto destaque e tão grande estilo que as setas.... errr... são só para enganar!

sábado, janeiro 23, 2010

"Porque somos sempre sós, dentro de nós"

Há uns anos largos ofereci, pelo seu aniversário, este poema a uma Amiga. Foi uma maldade, uma coisa feia, oferecer assim um poema tão escuro a falar do tempo que passa e da solidão inerente a cada um de nós a alguém que fazia pouco mais que metade da minha própria idade. Hoje fica aqui por me andar a perseguir esta ideia… “porque somos sempre sós dentro de nós”.

Sós


Apagaram-se as velas
e a lua vem
finalmente
abraçar-te o corpo
em solidão.

Este é o poema
que lerás no fim
da festa dos teus anos
quando só
o silêncio te fizer
companhia junto
com as memórias
dos desenganos.

Porque somos sempre nós,
só nós
por dentro de apenas
nós,
pouco mais que
silêncio e solidão.

E é em nós,
por dentro sós,
tão sós,
que o tempo encontra
o chão onde pousar,
como um vento só
que sofre
sem ter onde soprar.

Porque somos nós,
só nós,
sim que somos
sempre sós dentro de nós,
apesar da multidão
é sempre dentro
de nós que o tempo
repousa no fim dos segundos,
os primeiros minutos,
os anos e as décadas.

Agora apagas as luzes
perfeitas da ilusão
e acendes dentro de ti
um sol de propulsão
que rasga o sorriso
pintado nos olhos
e dança na letra
de uma canção.
Abres a janela,
é só mais um ano,
marca-sentinela
de nada…
Risca o calendário
na data marcada
e volta-te ao contrário
e faz-te de novo
à estrada,
na busca,
na ânsia
de sei lá de quê…

quarta-feira, janeiro 13, 2010

"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."

Lá está ele... o sacana!


Livraria Latina (R. Santa Catarina)


Uma Luz Vertical a romper a chuva.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Clube de Leitores - O que eu gostaria que fosse...



É já este domingo que irá decorrer a 3ª sessão do "Clube de Leitores Edita-Me/Clube Literário do Porto", no Piano Bar do Clube Literário do Porto, pelas 16:00.

Nesta sessão, as obras em destaque serão:

“Luz Vertical” de Alexandra Malheiro
“Poemas Suados a Negro” de Adrião Pereira da Cunha

O evento contará ainda com a participação musical de Pedro Lopes (ao piano) e Bianca Almeida (na voz) bem como das diseurs Celeste Pereira e Olga Oliveira.

Considerem-se desde já todos convidados.
Venham conhecer os autores e trocar com eles, as vossas próprias palavras.


Clube Literário Do Porto
www.clubeliterariodoporto.co.pt
R. da Alfândega 22


O que eu gostaria que fosse era um lugar de discussão à poesia, enfim... uma festa!