segunda-feira, junho 25, 2012

Crónica de Segunda - Crónica de São João (mais uma)

Pim, pim, pim – os martelinhos, martelando-me – gosto desta toada gerúndica, quase brasileira na velocidade da escrita, sinto que me perfuma a crónica, adocica-ma (e ela precisa).

Pim, pim, pim – vai ser assim toda a noite (ou terá sido, quando lerem esta crónica).

Pim, pim, pim – ano após ano, nada de diferente, pouco se modifica. É normal, é São João, há sardinhas, manjericos, alhos porros, erva cidreira, balões que sobem livres atiçados pela alegria simples do povo. Irreprimível nesta noite, mesmo agora, mesmo abafado, contraído, contrariado, o povo há-de saber soltar-se no São João.

Pim, pim, pim – sempre adorei esta festa da comunhão de pobres e ricos, uma noite tão invulgar. E que infeliz ficava se tinha de lhe faltar, como quando tive o acidente e não me permitiram a martelada no crânio ainda mal recomposto, ou quando um ano ficaste doente Pai, lembras-te? Uma outra vez tinha um exame qualquer mesmo em cima da data. Mas foram poucas as vezes que não fui saudar o santo nas ruas.

Pim, pim, pim – o cheiro a sardinhas vai entranhar-se em casa se não fechar já a janela, agora o foguetório,  pum, patapum, patum, pum, pum, o fogo de artifício, barulho, mais barulho, tanto barulho.

Pim, pim, pim – alguém me apaga a luz? O som? Por favor devolvam-me o silêncio. Tenho direito ao meu silêncio, preciso de silêncio já! Que horas são? Que horas eram quando morreste Pai? Que horas eram quando abracei a Mãe e lhe disse “agora somos só nós”. Que horas eram da madrugada, Pai? Ah mas umas sardinhas é que era, disseste e com uma pinguinha para empurrar, que bom seria. Não te dei sardinhas mas dei-te a comida à boca, o leite creme, como a um bébé, e reprimendas, “não te portes mal, não tires a máscara do oxigénio, vá!”, como a um bébé.

A mulher da cintigrafia “dê os óculos, a carteira e tudo o que tiver nos bolsos à mãe”  - eu a rir-me, tu a piscares-me o olho. “Ah! Desculpe, à filha!” e pouco depois lá tornava “Agora a Mãe vai blá, blá, blá” eu a encolher os ombros e tu a sorrires sob o bigode.

Iguais, tu e eu, o mesmo molde – “é a cara do Pai” – pois é. Ainda é, o Pai é que já não há.

Pim, pim, pim – que horas eram quando te foste Pai e nos fizeste vir pela madrugada, de táxi, a atravessar o Sâo João do Porto e chegar à nossa casa vazia de ti. Já estava vaia de ti há três semanas, não estranhamos mas estranhamos que agora para sempre. Agora tu nunca mais. Só as tuas coisas, os teus papeis, as tuas roupas, o teu cheiro, mas tu já não.

Pim, pim, pim – lá fora os martelos – pim, pim, pim – agora como dantes, pela madrugada, não sei a que horas – pim, pim, pim.


Mas alguém me cala o filho da puta do martelanço?