segunda-feira, março 18, 2013

Crónica de Segunda - O mistério dos velhos.


De que falarão os velhos senão de coisas velhas? Histórias puídas, coisas rotas, farrapos de memórias que se aguentam no vendaval do esquecimento. Que hão-de pensar os velhos, a sós com o seu pensamento? Sobre as coisas que já não há ou antes as que eles recordam sem saber se as recordam ou se as inventam se é certo que já ninguém do presente – ah o futuro, antes tão imaginado! – se lembra, excepto outros velhos como eles, talvez também já mais invenção que memória, como saber? Como saber se o que pensam realidade esquecida ou apenas imaginação delirante, senil?
Três velhos numa mesa de uma confeitaria, lancham e conversam lentamente, à velocidade dos velhos, devagar. Observo-os. São, aliás, duas velhas e um velho, um casal suponho eu, e talvez a irmã dela, são parecidas. Devagar, partem em pedaços os bolos de arroz, debicam as meias-de-leite e conversam também lentamente. De que falarão os velhos quando estão sós? De coisas velhas, memórias antigas? Confundirão os nomes, as pessoas, o antigo e o moderno? Lembrar-se-ão de um tempo de que mais ninguém lembra? Contarão as histórias dos mortos que arrastam presos ao olhar, o olhar que fica parado nas paredes a ver coisas que mais ninguém vê – um filho morto, a mãe, o pai, os irmãos, amigos tantos, enfileirados no silêncio da eternidade. Que pensarão os velhos, sós, entre eles, que como Dante “nunca imaginaram que a morte tivesse levado tantos”? Contarão os dias em que também o seu lugar à mesa da confeitaria ficará vazio, substituídos agora pelo infinito e definitivo silêncio?
Na estação de metro, sobre o obliterador, alguém deixou perdida uma luva de pele. Tem um aspecto gasto, bastante usado, meio rompida, não sei se a perderam assim, desirmanada, talvez algum velhote a tentar agarrar o passe perdido no fundo do bolso do sobretudo, atrapalhando-se com tantos dedos luvados. Ou talvez alguém a tivesse abandonado por velhice e desnecessidade. Nunca o saberei, como não sei de que falam os velhos entre si, talvez de luvas perdidas ou abandonadas, logo uma luva, algo que tão intimamente apertamos contra os dedos.