segunda-feira, maio 30, 2011

Crónica de Segunda - "Amor e uma parelha de cornos!"

As crónicas de segunda têm estado arredias, não porque não haja assunto para elas – uma crónica faz-se de qualquer coisa nem que seja dela própria e, mais não houvesse a comentar, haveria sempre a animada campanha eleitoral onde cinco partidos e mais alguns se digladiam num concurso aparentemente para achar aquele que entre eles melhor se desdiz, preferencialmente no mesmo dia a horas diferentes. Mas esse assunto, devo dizê-lo, já me cansa de tão repetitivo e, o que me andava a faltar para avançar nas crónicas era, sim, um título chamativo, um que valesse a pena, um assim como o desta crónica.
O título provém de uma estória passada há já alguns anos. Certa tarde preparava-me eu para assistir a uma conferência com um conhecido autor quando encontrei um amigo de longa data. O meu amigo, homem inteligentíssimo, mas que por razões económicas cedo foi trabalhar, tendo fraca instrução escolar, não era grande literato e era a mais improvável das companhias que eu esperava para a tal conferência, porém, já que se encontrava de férias e sendo naturalmente curioso perguntou-me se me importaria que me acompanhasse e eu, obviamente, não me importei. Acho até que interiormente me divertia a ideia de irmos os dois, com visões decerto diferentes, ouvir a mesma conferência, que versaria sobre livros que o meu amigo nunca lera.
O autor em causa deu uma soberba “aula” sobre a sua escrita e sobre os temas que o inquietavam e sobre os quais escrevia como espelho dessa inquietação. Na base estava o amor com A maiúsculo, sobre ele falou longamente e sobre tudo o que dele sobejava, o enamoramento, a ausência, o estremecimento, a dor, o desejo, a perda, a angústia e a morte. Tudo, explicava ele, gradações do amor, sua génese e consequência.
Saímos de lá encantados eu e o meu amigo que, via-se bem e ele o dizia, estava feliz, era para ele uma experiencia inovadora e que aprendera imenso, dizia ele. O meu amigo comportava-se sempre como uma alma ávida de novas aprendizagens, absorvia facilmente novos conhecimentos e a sua inteligência um pouco rural mas vivíssima rapidamente traduzia os conceitos mais complicados, as sintaxes mais esdrúxulas, em frases cuja clareza ficava à vista de qualquer um, tanto fosse pela crueza com que expunha algumas ideias. Na saída da conferência encontramos um amigo comum que, sabendo de onde vínhamos, nos questionou “Então de que falou o homem?” ao que o meu amigo prontamente respondeu, com um sorriso aberto “Falou do amor e de uma parelha de cornos!”
Fiquei extática, a genialidade vem assim nas mais simples frases, duas horas a ouvir metonímias que se resumiam assim mesmo a “uma parelha de cornos!” Gosto de ideias sucintas e objectivas.

1 comentário:

Donagata disse...

Afinal lá saiu. A crónica, claro. E está genial. Eu também gostava de saber sintetizar conceitos desta forma brilhante. Dava cá um jeito...
Ou da forma brilhante do amigo da cronista ou, melhor ainda, da forma brilhante da cronista. Mas eu cá não sou pessoa de crónicas...