É dia de crónica, as horas passam, está chuva lá fora e já não posso usar as nuvens em Paris como metáfora para o cinzento que vai cá dentro ou noutro sítio qualquer. É que agora há nuvens mesmo aqui ao pé, não preciso imaginar outro país, outro lugar, corta-me esse prazer. O sol cedeu vez ao Outono carregadinho de nuvens e elas carregadinhas de chuva. Acontece que a chuva me deprime e embrutece, com a chuva não há crónica que se aguente face à minha sisudez de humores. Sobre o que escrever então?
Começa logo por me faltar imaginação para a crónica e para a literatura, aqui mais perto já ao ouvido lhe confesso, estimado leitor (eu às vezes acho que alguém me lê), para a vida também já vai faltando a paciência e a imaginação, creio que a isso chamam envelhecimento – os mais sagazes chamam-lhe amadurecimento para não se verem ao espelho com rugas e cãs.
Vai daí que tenha apenas uma frase que inventei por inventar e nem sequer é totalmente original – há alguém original, afinal? – já que é uma deturpação de um genial título de Lobo Antunes – “Que farei quando tudo seca?” Viria a questão a propósito do que fazer em nós quando nos deixamos secar? Secar ao ponto de as lágrimas não correrem e em vez delas um esgar, ou pior, em vez delas nada, um olhar vazio, seco por dentro, uma expressão inexpressiva, a expressão de não expressar nada, de não sentir nada. Secar por dentro é deixar de sentir ou sentir mas não notar, ou é um não notar de sentir pouco, quase nada, já passou, já não dói! Já não – enfim.
“Que farei quando tudo seca?” – que mais coisas podemos deixar secar dentro de nós além das lágrimas? A ternura? O beijo lançado no vento que nunca chegou a pousar? A memória antes tão viva e agora uma sombra apenas, um nevoeiro sobre os olhos – “Lembras-te? – Acho que não me recordo bem.” Tudo tão vago como se apenas sonhado. E nem uma ideia para esta crónica, tudo seco.
Chuva nos telhados, vento a empurrar as nuvens para mais perto. Dantes gostava de nuvens, quando achava que também eu nuvem, não cinzenta, branquinha, assim de ar virginal, não a ameaçar chuva mas antes a proteger do mal. Mas era tudo invenção, tolice, metáfora bem tosca, tudo tão irreal.
Tudo seco. Que farei quando tudo seca e nem lágrimas? Molhada a face de chuva apenas. Só esta chuva para inundar o chão tão seco, tão inóspito, desértico, a abrir fendas de secura, um cacto também ele em risco de perecer. Só a chuva a fingir lágrimas do céu para nos molhar.
Começa logo por me faltar imaginação para a crónica e para a literatura, aqui mais perto já ao ouvido lhe confesso, estimado leitor (eu às vezes acho que alguém me lê), para a vida também já vai faltando a paciência e a imaginação, creio que a isso chamam envelhecimento – os mais sagazes chamam-lhe amadurecimento para não se verem ao espelho com rugas e cãs.
Vai daí que tenha apenas uma frase que inventei por inventar e nem sequer é totalmente original – há alguém original, afinal? – já que é uma deturpação de um genial título de Lobo Antunes – “Que farei quando tudo seca?” Viria a questão a propósito do que fazer em nós quando nos deixamos secar? Secar ao ponto de as lágrimas não correrem e em vez delas um esgar, ou pior, em vez delas nada, um olhar vazio, seco por dentro, uma expressão inexpressiva, a expressão de não expressar nada, de não sentir nada. Secar por dentro é deixar de sentir ou sentir mas não notar, ou é um não notar de sentir pouco, quase nada, já passou, já não dói! Já não – enfim.
“Que farei quando tudo seca?” – que mais coisas podemos deixar secar dentro de nós além das lágrimas? A ternura? O beijo lançado no vento que nunca chegou a pousar? A memória antes tão viva e agora uma sombra apenas, um nevoeiro sobre os olhos – “Lembras-te? – Acho que não me recordo bem.” Tudo tão vago como se apenas sonhado. E nem uma ideia para esta crónica, tudo seco.
Chuva nos telhados, vento a empurrar as nuvens para mais perto. Dantes gostava de nuvens, quando achava que também eu nuvem, não cinzenta, branquinha, assim de ar virginal, não a ameaçar chuva mas antes a proteger do mal. Mas era tudo invenção, tolice, metáfora bem tosca, tudo tão irreal.
Tudo seco. Que farei quando tudo seca e nem lágrimas? Molhada a face de chuva apenas. Só esta chuva para inundar o chão tão seco, tão inóspito, desértico, a abrir fendas de secura, um cacto também ele em risco de perecer. Só a chuva a fingir lágrimas do céu para nos molhar.
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