1. Há sete anos atrás a cidade do Porto meteu o travão de mão e engatou a marcha-atrás. Um percurso muito pouco digno para aquela que era a segunda maior cidade desta espécie de país. Se já era pouco, o Porto passou, volvidos estes anos, a ser nada. Esta é a cidade que ficará para a História como a antagonista suprema de si própria, num processo autofágico que a levou ao estado crónico de depressão visível em todas as frentes. Da economia à cultura, das indústrias ao comércio de proximidade, da habitação à demografia, o Porto fez tudo, mas tudo mal, perdendo competitividade, expressão, riqueza, voz, numa palavra: poder. Hoje somos a cidade que estorva a dinâmica de Gaia, a mobilidade de Matosinhos e que compete mano-a-mano na região com Gondomar, esse outro símbolo de inteligência suprema na gestão autárquica que temos de suportar. Eu gostava de evitar escrever o nome ‘Rui Rio’, porque simplesmente não acho que o senhor mereça constar em qualquer anal que não o da mais pura mediocridade. Mas como o dito é o Presidente da Câmara Municipal do Porto, não há como dissecar a doença sem falar do vírus. Nem sei por onde começar! Pelas estatísticas, que atiram a zona do grande Porto para patamares na contribuição do PIB nacional para os quais temos de recuar 15 anos? Pela desertificação do miolo da cidade que remete para uma realidade de que só há memória no década de 40? Para o envelhecimento da população, abandonada num centro histórico cujas fachadas revelam uma degradação que envergonharia qualquer vila de província? Pelo negar das mais-valias culturais, das referências históricas, pela repressão da sua massa crítica, pela perseguição aos opositores do regime camarário? Pela hostilização gratuita aos emblemas que tornaram em tempos o Porto numa quase-metrópole? Pelo facto de em todo o país ser aqui que há mais famílias carenciadas a recorrer ao Rendimento Mínimo Garantido, sendo a proporção de 1 em cada 17 agregados familiares a fazê-lo? Pelo silêncio constante e sistemático em relação ao poder central que atira agora para Lisboa o traçado do Metro? Pela falência dos programas de Reabilitação Urbana e de reinserção social? Pela demagogia? Pelas negociatas pseudo-urbanísticas que quase levaram à demolição de, por exemplo, o emblemático Mercado do Bolhão? Pela ausência de ambição? De sonho? Enfim, a lista seria interminável e não quero tirar o pódio aos políticos a quem compete a oposição. A verdade é que o Porto é hoje uma sombra de si próprio, sem opinião, sem carácter, desprovido de rosto, onde apenas alguns tem a coragem de confrontar o poder e quase todos se calam perante a boçalidade com que este presidente tem ocupado aquele que já foi um dos mais prestigiantes cargos da vida política nacional. Uma cidade é um ‘work in progress’, um espaço multifuncional onde tudo se debate, onde tudo acontece. Uma trama intertextual de processos e vivências que é preciso alimentar todos os dias. Porque a cidade são as pessoas. E são estas as que tem sido sistematicamente humilhadas pela total ausência de obra. Pior, ao não deixar nada realmente feito na trama urbana, o vírus assexuou a cidade, transformando-a num ser amorfo, distante e paralisado à sua triste imagem e dimensão. Ao não ter um projecto digno no presente, o sr. Rui Rio é desprovido de qualquer visão de futuro. E nada pode ser mais fatal para qualquer actividade humana, política sobretudo, sem este rasgo, esta visão que tanta falta faz aos que habitam o espaço urbano. A cidade agoniza lenta e dolorosamente para além do razoável. E se isto não fosse suficiente, este vírus, que, como todos, se multiplica, minou as estruturas basilares que sustentam a urbe. Do Rivoli, único espaço de experimentação e reinvenção antigamente permitidos a todos os quadrantes do tecido criativo, ao comércio tradicional envelhecido e cercado por uma miríade de grandes superfícies, da nomeação obscura de familiares para cargos para os quais não possuem declaradamente as competências necessárias, a uma total ausência de transparência nas contas da edilidade, tudo tresanda a um falso rigor e contenção serôdia que sufoca transversalmente todas as actividades que competem a uma Câmara Municipal. Alheado e distante dos munícipes, bem como da realidade mundana que emerge dos novos conceitos de cidadania que palpitam por toda a Europa, o sr. Rui Rio esventrou aquela que sempre foi a suprema mais-valia do Porto: a sua Alma. E uma cidade sem Alma é um corpo burocrático, autómato de nulidades, um conjunto de ruas com casas vazias a suportarem-lhe o estertor. O vírus não matou a cidade, mas atirou-a de forma impiedosa para o silêncio, esse espaço sinistro que nenhum lugarejo merece. Nunca um homem sozinho conseguiu em tão pouco tempo destruir tanto, tendo à sua mão tudo para construir muito.
2. Claro que as sucessivas mudanças de posição do autarca em relação a assuntos estruturais, tais como a regionalização, que agora defende mas contra a qual fez campanha, revelam também a sua infinita desonestidade política, só passando impune num país onde a oposição é cúmplice na omissão, e o aparelho do seu próprio partido, o PSD, tolera tais incongruências de acordo com a maré e a conveniência. E este é talvez o maior perigo que a democracia portuguesa terá que enfrentar num futuro próximo: os partidos que ciclicamente ocupam o poder são escolas desideologizadas, onde até a mentira vale desde que para manter debaixo da sua bandeira cargos, funções, autarquias, mordomias. É o vale-tudo pelas migalhas do poder. O sr. Rui Rio, esse sublime incompetente que à boca fechada alguns sectores do PSD não toleram e que hoje destrói o Porto, será o mesmo, para não dizer o único, que amanhã, perante o estado imberbe a que o seu partido chegou, se apresentará como salvador supremo do dito. Tendo como credencias a soberba, a arrogância e uma falsa moral de odores salazarentos que o fazem melífluo e silencioso, características que, aparentemente, colhem bons frutos em certos círculos do mesmo partido, o sr. Rui Rio leva atrás de si uma gestão ruinosa, também em termos económicos, da Câmara Municipal do Porto. A este exemplo, a nomeação da irmã do seu Vice, Álvaro Castelo Branco, para ‘gerir’ o Rivoli, auferindo um ordenado de 3790 euros mensais, é esclarecedora. Acresce que, uma vez delapidada a Culturporto, a autarquia possui gente capaz para tal posto sem necessitar recorrer a contratações externas e pouco transparentes. Ainda de salientar, a propósito da tão alardeada honestidade beatífica do autarca, que Manuel Teixeira, seu chefe de gabinete, tem um vencimento de 5159,15 euros mensais, acrescidos de 2082,89 de despesas de representação, e Poças Martins recebe 12500 euros por mês, dados que o presidente se recusa a apresentar oficialmente tal é a impunidade com que decide, manda e manipula. É com esta mentalidade que, uma vez desgastada a actual líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, e afastadas as hipóteses de Santana ou Menezes, o sr. Rio prepara, na obscuridade do silêncio e numa troca-tintas sistemática em relação às causas nacionais, o assalto à cidadela do partido. Este é o primeiro-ministro em potência se o PSD e os eleitores o permitirem. E esta é, supõe-se, a sua suprema ambição. Um retorno ao pior do cavaquismo. Um autismo e autoritarismo cujos frutos são bem visíveis na malfadada cidade que dirige. Estará Portugal disposto a suportar tão triste sina? Venham os indecisos e deambulem por esta Mui Nobre, Leal e, até agora, Invicta Cidade do Porto. Perante o vazio que encontrarem, decidam. Não antes. Mas venham depressa porque a Cidade chegou ao fundo do poço. E daqui só sairá com a honestidade e ambição dos que se apresentarem como alternativa já em 2009.
Texto de Pedro Abrunhosa, publicado na revista MAXMEN em Dezembro de 2008