terça-feira, agosto 17, 2010

Crónicas da Cidade Cinzenta

Prostituição de afectos

Vista da minha esplanada: Três alminhas penadas cruzam repetidamente a rua com cartazes prometendo abraços grátis, com a respectiva tradução em inglês (nestas coisas há que ser internacional). Já vi, por diversas vezes, estas ou outras criaturas oferecendo o gratuito amplexo e sempre essa ideia me deixa um íntimo amargor tal qual como quando me cruzo com a velhice e o ranço estampados em tantos rostos, quase sempre de olhares vazios, certamente muito precisando de um abraço não este, esbanjado por tolice e juventude, mas um que apertasse até ao fundo da alma e lavasse com ele o musgo das lágrimas.
(Apontamento: reler José Gomes Ferreira)

Relembro que um dia encontrei um blog – que suponho já esteja transformado em livro que é o que acaba por acontecer a todos os blogs descritivos do dia-a-dia particularmente se tiverem origem em experiencias, ainda que temporárias, de prostituição – em que um desempregado havia criado uma indústria florescente a vender, pasme-se, horas de amizade. O cavalheiro em causa não alugava a cama nem qualquer recreio libidinoso, alugava a amizade aos seus clientes. Pessoa a quem faltasse um amigo para o desabafo, para ajudar a escolher roupa nos saldos ou mesmo para acompanhar nas horas difíceis como a ida ao dentista, contratava os seus serviços et voilá um amigo ao dispor de vossência! – Prostituto de amizade, portanto.
Um dia observei um doente carcomido – o termo é literal – por um tumor que, aquando do diagnóstico, teria recusado prosseguir o estudo ou efectuar qualquer terapêutica. Quando me procurou tinha uma orelha em decomposição, com cartilagem corroída empapada em pus, apresentando-se pobremente vestido, com um casacão de malha velho muito pingão e emborbotado, contrastando com o bem-falar e gentileza do doente. Sabendo da sua sumária recusa em deixar-se tratar questionei-o sobre filhos, respondeu-me que não tinha, não sendo casado referiu vagamente que dividia a vida com uma mulher mais jovem mas sacudiu o assunto com um aceno que compreendi e não prossegui o interrogatório. O problema que o levara até mim era minor e foi ilusoriamente resolvido até novo achaque. No momento era o que trazia incomodado e o futuro daquele homem era o momento presente. Uma vez esse assunto resolvido, não tinha mais a oferecer-lhe.
Acompanhei-o à porta e, já a cruzar o umbral, voltou-se e disse-me “sabe doutora, só queria que ela viesse depressa”. Tive tanta vontade de o abraçar – prostituta de abraços.

1 comentário:

Anónimo disse...

Anda pr´aí um gajo q pede a cantar "Dá-me um abraço[...]", um tal Gameiro e o carai





nopia