Antes que o mundo desate por aí a
acabar há que escrever, deixá-lo por escrito, ao mundo, antes que este se
esfume, se auto-degrade, desapareça sem deixar memória. E nós temos esta ideia
que a memória é que é importante, a posteridade, o que fica de nós. Que ficará
de nós depois do fim-do-mundo? O que fica do que somos, ou do que fomos? As
coisas que amamos, o que será delas, sobreviverão elas ao apocalipse anunciado?
Que será do amor que fizemos ou do que esquecemos de fazer?
Palavras, palavras, palavras,
deixa as palavras no papel, escreve-o, deixa-o pintado, tingido, o branco papel
a ficar escrito, já que não sabes fazer mais nada com utilidade verdadeira
escreve. E isto que escreves tem alguma utilidade? É bem certo que não. E eu de
novo a lembrar-me do Pina e do poema do homem da repartição, aquele que
anunciava que a poesia ia acabar e que os poetas seriam colocados em lugares
mais uteis. Não me liguem, divago, deve ser já o efeito do fim do mundo em mim.
Que será do meu amor quando o
mundo se for e eu não estiver aqui para to dar e tu não estiveres cá para o
receber? E que importância tem o mundo mesmo se é do Amor que temos que
falamos, não é o Amor mais longo e mais forte que o mundo, qualquer mundo? Não
é, só por si, o Amor um mundo em si mesmo, um mundo dentro do mundo, a única
coisa de verdeiro interesse no mundo?
E de novo eu a permitir que as
vagas memórias de frases soltas me assaltem “que farei quando tudo arde?” – Sá
de Miranda, “Só me faltavas tu para me faltar tudo” – o Pina outra vez, estes
que já foram deste mundo e o mundo os perdeu sem os perder verdadeiramente
terão sentido tudo quanto todos nós vamos sentindo, exactamente antes de
perderem o mundo ainda que a eles o mundo nunca os tivesse perdido por
permanecerem em obra e a obra que deixaram que foi senão Amor? Estas frases que
me perseguem, e decerto os perseguiram, o que foram senão Amor, do Amor, pelo
Amor?
Quero-te dizer, meu Amor, que te
Amo, antes que o fim do mundo nos aconteça.