segunda-feira, julho 02, 2012

Crónica de Segunda - Do desapego e do desamparo


Ando há séculos para escrever esta crónica. Não esta exactamente porque é sempre outra a crónica que vou pensando e a que consigo depois verter no papel (sim, é no papel que escrevo e só depois “computo”).

O que me leva à crónica é o seu título, parto dele muitas vezes e desta feita assim foi. A  aliteração, candente, adocicada, do título levar-me-á ao território dos afectos onde pretendo chegar. “Do desapego e do desamparo”, não posso deixar de lembrar Jane Austeen cujas traduções dos títulos de algumas das suas obras mais sonantes lhes fazem tão pouca justiça. Se “orgulho e preconceito" ou "sensibilidade e bom senso” são boas traduções literais, nada dizem sobre a fonética aliterante,  a poesia, que há em “pride and prejudice” ou “sense and sensibility”, títulos não escolhidos por acaso pela sua autora.

O mesmo faço eu, quer dizer, tento fazer, para atingir o leitor no centro do peito com este “do desapego e do desamparo”. Dengosamente, delicadamente, desalinhando o destino, dilacerando a crónica.

Todos nos desamparamos e às vezes nos desapegamos, não necessariamente por esta ordem. A imagem morta do antigo amante que antes nos queimava o peito hoje a desfazer-se – o desapego, o abraço que antes nos tolhia de tão forte, hoje desmembrado, deixa-nos à solta, pernas bambas face ao mundo – o desamparo.

Sozinhos no mundo desde a nascença, somo todos um pouco assim, frutos do desapego, filhos do desamparo.

Se ainda me amas, não quero saber, de ti me desapego. Que farás de mim e da memória do teu desamparo?

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