Ando há séculos para escrever
esta crónica. Não esta exactamente porque é sempre outra a crónica que vou
pensando e a que consigo depois verter no papel (sim, é no papel que escrevo e
só depois “computo”).
O que me leva à crónica é o seu
título, parto dele muitas vezes e desta feita assim foi. A aliteração, candente, adocicada, do título
levar-me-á ao território dos afectos onde pretendo chegar. “Do desapego e do
desamparo”, não posso deixar de lembrar Jane Austeen cujas traduções dos
títulos de algumas das suas obras mais sonantes lhes fazem tão pouca justiça.
Se “orgulho e preconceito" ou "sensibilidade e bom senso” são boas
traduções literais, nada dizem sobre a fonética aliterante, a poesia, que há em “pride and prejudice” ou
“sense and sensibility”, títulos não escolhidos por acaso pela sua autora.
O mesmo faço eu, quer dizer,
tento fazer, para atingir o leitor no centro do peito com este “do desapego e
do desamparo”. Dengosamente, delicadamente, desalinhando o destino, dilacerando
a crónica.
Todos nos desamparamos e às vezes
nos desapegamos, não necessariamente por esta ordem. A imagem morta do antigo
amante que antes nos queimava o peito hoje a desfazer-se – o desapego, o abraço
que antes nos tolhia de tão forte, hoje desmembrado, deixa-nos à solta, pernas
bambas face ao mundo – o desamparo.
Sozinhos no mundo desde a
nascença, somo todos um pouco assim, frutos do desapego, filhos do desamparo.
Se ainda me amas, não quero
saber, de ti me desapego. Que farás de mim e da memória do teu desamparo?
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