Que ainda agora era Agosto e está
calor e há quem esteja de férias e não lhe apeteça pensar. Sobretudo há quem
não queira, frente a uma paisagem idílica de mar ao fundo, ser lembrado dos
impostos, dos subsídios que não há, dos cortes nos ordenados, dos malefícios da
troika, do desemprego que aumenta e do país que se afunda, condenado que está ao
fracasso económico e social, sucumbindo em silêncio qual doente terminal, respirando
ruidosamente, com dificuldade acrescida até ao suspiro final. Há que respeitar,
pois, estes momentos finais de sossego e paz, amanhã será outro dia e a vida
real há-de inundar-nos até, também nós, não conseguirmos mais respirar.
Há que dar balanço à cronica e
oferecer alguma paz de fim-de-verão aos leitores que esperam ainda pelas
esplanadas os raios últimos da ilusão estival. Avanço então pela crónica como pelo mar, dando
a cada braçada de palavras uma rajada de azul, como se as gaivotas que
esbracejam aqui , junto de onde estou, fossem de facto gaivotas de maresia e
não estas aves infectas, rapinares, que cobrem de dejectos os monumentos e as
ruas e se alimentam do lixo que, displicentes, espalhamos pela cidade.
Tento então amordaçar a crónica,
não bem a crónica, mas a realidade que esperneia dentro dela. Há que anestesia-la,
metê-la a correntes, não a deixar passar, até que o estio se desencontre e
deixe que o frio nos envolva e nos devolva o Outono e a vida real.
Pouso a caneta, olhos no mar,
pausa, retomo a escrita, sinto o vazio, torno a olhar o mar… ou a memória dos
teus olhos a olhar o mar dentro de mim.
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