terça-feira, junho 10, 2014
segunda-feira, junho 09, 2014
Inquietação.
O meu ramo profissional não é
muito dado à descrição do etéreo e do menos objectivo. Quando entrei para a
Faculdade garantiam-me os professores, com ar doutoral, que a Medicina é uma
Arte e eu, na minha melhor inocência, acreditei, para só mais tarde perceber
que, mesmo nos achaques da alma, a componente artística derivava mais do “artista”
do que do substrato e, transformado tudo em linguagem científica, esta era isso
mesmo – científica.
Há dias, convidada para assistir
a uma palestra, dei com um colega que, nos comentários ao que havia sido
exposto na mesma apresentação, desatou a dissertar sobre “a inquietação que uma
dor no peito provoca”, tal e qual. A “inquietação”. Foi tudo quanto precisei
para não ouvir mais nada do que de científico ali foi dito e ocupar-me a pensar
em inquietação e dores no peito, não das que afectam coronárias entupidas, nem
tão pouco moléstias da parede do tórax ou dos pulmões, de tudo quanto de
orgânico resida e possa provocar dores na caixa torácica. Pelo contrário encanta-me
a inquietude do lugar onde imaginamos o afecto e os medos. Ali se quedam os
amores e os desamores, os receios, os sustos, as inexactidões, ali mesmo a
alma, quando não achamos outro lugar onde a situar. Tudo porque o orgânico
músculo se acelera por cada vez que em nós uma corda mais forte é mexida.
Fiquemos então com a inquietação no
peito, parece-me bonito para terminar este ciclo. Esta é, provavelmente, senão
a última “Crónica de Segunda” pelo menos a última por muito tempo. Não sei se
para sempre ou apenas por tempo indefinido, não tendo isso ainda bem certo em
mim, irei encerrar esta “loja”. Para já para balanço, sem certezas, porém, de
voltar e sem data para o fazer.
A todos quantos me leram o meu
sincero agradecimento, pela paciência e fidelidade, pelos comentários, pelo
abraço mesmo o virtual.Encerro este ciclo, pelo menos até reencontrar a minha voz, com esta inquietação no peito. Enquanto sentimos inquietação sabemos ao menos que estamos ainda vivos.
Bem hajam.
segunda-feira, maio 26, 2014
Crónica de Segunda - Uma crónica de falecimento colectivo.
As
minhas crónicas de segunda não costumam abordar a política, se entendermos
política como o comentário aos partidos, suas diatribes, discursos de líderes,
etc, já que, de outra forma, tudo é política. "Mesmo
caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre
solo político", diria Szymborska pelo que, e atendendo à ventania contra a
qual me vi obrigada a caminhar hoje todo o dia, me vejo na necessidade de abrir
as portas desta crónica à política dita “pura e dura”, aquela que se jogou
ontem em eleições europeias.
Cansados que andaremos todos de comentadores encartados e criticadores de campo e de bancada vou-vos poupar à intrincada análise da óbvia derrota da coligação de governo contra a pífia vitória socialista, que perdeu votos em todas as direcções – da esquerda do PCP, em claro crescimento, ao populista Marinho Pinto, antes defensor da abstenção e agora defensor de não sabemos ainda bem o quê. Dispensar-me-ei também ao comentário de derrota do BE repartido pelo Livre e por outros que tais.
Dispenso-me ainda a comentar as reacções, todas diferentes, todas iguais, dos que ganhando por pouco histericamente clamam vitória ou dos que perdendo expressivamente exultam por a vitória dos adversários não ser afinal tão grandiosa. Tudo isto são notícias velhas. Fica-me o pensamento encalhado (e encolhido) ao perceber as astronómicas percentagens de vitória de partidos nacionalistas, de extrema direita e neo-nazis, bem como marginalmente também alguns de extrema esquerda como na Grécia. A Europa como União desmorona-se a olhos vistos mas mais assustador ainda é ver este crescimento nos concidadãos europeus, filhos de Roma e da Grécia, de ideais que achei terem sido enterrados em Nuremberga. Isso sim assusta-me e entristece-me.
Porém esta crónica era apenas o
pretexto de me questionar, de olhos arregalados: que povo é este o que temos? Que
cobarde e ignorante gente é esta que, quarenta anos postos sobre o 25 de Abril,
que nos abriu a liberdade não só de expressão mas mais, muito mais, a liberdade
de escolha, de sermos cidadãos por inteiro, de nos podermos expressar como tal
escolhendo os que queremos que nos governem, se nega esse direito, despreza a
luta de tantos e se deixa assim cair nesta abulia?
E quem são, ou onde estão, os magotes
de gente que encheram praças em diversas manifestações, os polícias endiabrados
que subiram escadarias de faz de conta? Onde estão os críticos de café? Os
indignados da vida? Os que cantaram grândolas? Bem sei que há uma leva recente
de emigrados que não puderam votar e não serão assim tão poucos, mas com
franqueza…66,6%? Somos 33,4% apenas de gente viva? Alô? Está alguém aí?
Não me venham, estes defuntos, depois
com queixumes ok?
segunda-feira, maio 05, 2014
Crónica de Segunda - A devida homenagem
O homem não gosta de efemérides e
diz lembrar-se com dificuldade de datas aniversárias. Mas, que diabo, vinte
anos são vinte anos, conta redonda que só se faz uma vez e há homenagens que
devem ser prestadas e uma data assim redonda é pretexto tão bom como qualquer
outro para celebrar o que merece a pena ser celebrado.
Falo-vos de Pedro Abrunhosa
enquanto figura pública que é o mesmo que dizer enquanto músico na ribalta. Antes
de 94 já este tinha comido muito pó de estrada, pisado muito palco improvisado,
carregado abnegadamente com um instrumento de dimensões que não lembram ao
diabo, estudado, escrito, experimentado muita coisa na música mas tudo isso
ainda longe dos focos. Foi no ano de 94, apresentando o seu longamente suado “Viagens”,
que se torna, rapidamente e com todo o mérito, figura de proa, não mais
abandonando um lugar na história da música nacional, pelo contrário, tendo conseguido crescer cada vez mais, ultrapassando com garbo os anticorpos que
sempre se criam logo após um artista se alçar ao estrelato e sedimentando por
completo o lugar que é seu.
Muitos o criticaram como sendo um
epifenómeno de curta duração, outros o apodaram de golpe de marketing – Qual golpe?
Qual marketing? – mas, como quem ouvisse com atenção, logo em 94 a obra e o
artista, percebia, Abrunhosa é uma construção sólida e genuína, nada devendo ao
marketing senão o bom uso que dele soube fazer com sageza e inteligência a que
não estávamos habituados em músicos, gerindo com mão de aço a carreira, nada
deixando ao acaso.
Um músico intelectual ainda hoje,
embora um pouco menos, nos assombra como uma improbabilidade. Abrunhosa provou
ser isso e muito mais, ultrapassando o plano de discussão da música e arte para
a política externa e interna, a história e a filosofia, era comum ouvi-lo
corrigir a sintaxe de imberbes “entrevistadores” à nora com o convidado.
Ultrapassou o plano mediático da imprensa especializada em música – sabe-se lá
o que é isso – e o domínio das revistas cor-de-rosa ou dos posteres de
embevecer adolescentes para as parangonas dos semanários de referência. E nada
mais foi como dantes!
O genial músico sabe rodear-se
dos melhores que escolhe e vai fazendo substituir conforme as suas necessidades
de evolução criativa. Inicialmente acompanhado pelos Bandemónio - que conheceram
4 formações – quase tantas como discos de originais à época, marcos geodésicos
do seu percurso e, no seu seguimento, agora acompanhado pelos Comité Caviar,
evoluindo sempre, avançando, avançando. Ouvidos atentos à música que se faz e
que se fez, antenas alerta ao que se passa no mundo. Amante de História e de
Arqueologia sabe, melhor do que ninguém, encontrar o seu/nosso lugar na linha espácio-temporal
e, talvez por isso, a sua inegável e constante actualidade.
Diz que foi no 1º de Maio que
apresentou “Viagens” ao mundo, acredito, não estive lá, mas pouco mais tardei a
dar com ele e sei que são já vinte anos de Abrunhosa sempre comigo, no mais
íntimo de mim que é onde se tocam as cordas da emoção, do silêncio, da comunhão
com o sagrado que, no meu caso, vem com música e poesia por dentro.
Daí ser devida esta homenagem. Obrigada
Pedro, obrigada Bandemónio, obrigada Comité Caviar.
Há vinte anos, em data incerta, desde a primeira vez, não voltei igual, como não voltei igual tantas outras vezes depois, e depois, e depois e ainda agora continuo a não voltar igual, volto diferente e volto melhor e confio que assim havemos de continuar. Bem hajam por isso, tudo tão natural e simples “como quem gosta do Sábado”, portanto… “enquanto não há amanhã, ilumina-me, ilumina-me.”
segunda-feira, janeiro 06, 2014
Crónica de Segunda - Esta crónica não é sobre o Eusébio.
Como ponto prévio digo-o já, não
ligo nenhuma ao Futebol, é um desporto que não me dá particular gozo, vejo
alguns jogos da selecção e pouco mais, nunca sei quem nem quando joga e, sendo
filha de benfiquistas, tenho como clube dito do coração o F.C. Porto apenas
porque gosto do azul e porque o clube leva no nome a minha cidade amada.
Nada disto interessa quando se
fala da morte de um Eusébio. Eusébio foi, naturalmente, uma figura maior do
desporto, futebolista de elite, num tempo difícil, sendo ele um rapaz das
colónias, vindo da pobreza e mostrando ser capaz das melhores façanhas,
verdadeiramente genial, elevando o nome do País, sempre pequeno e àquele tempo
entrincheirado na ditadura, nas várias partes do globo, com isso conseguindo
alguma notoriedade para Portugal e mais ainda para o seu Benfica. Por isso
quando Eusébio morreu, de forma algo inesperada não obstante a doença que o
minava, compreendo não só a dor dos que o conheceram, com ele privaram e da sua
família, como compreendo a dor e o sentimento de orfandade que sempre acompanha
a morte, naqueles que não o conhecendo eram seus admiradores. Compreendo isso e
acho até muito bem, sendo ele um símbolo nacional de grandeza na sua profissão,
de trabalho abnegado e sucesso como resultado desse trabalho, por seu mérito,
que se perca tempo nos telejornais com a notícia da sua morte, curtas resenhas
das suas glórias e reacções várias de figuras públicas e anónimos ao seu
falecimento. Não acho mal nada isso, acho compreensível, aceitável, quiçá até
desejável, já que a melhor forma de exorcisar a morte e lembrar os que partem é
essa comemoração misto de dor, tristeza e memória. O Presidente da República
fazer uma comunicação ao País parece-me um tudo nada exagerado mas até isso é
aceitável atendendo ao facto de se tratar de alguém entendido por muitos como
um símbolo nacional.
É por isso que esta crónica não é
sobre o Eusébio, esta crónica é sobre vários outros, trabalhadores abnegados na
sua área, criativos e únicos, sujeitos geniais que elevaram o nome do País por
terem sido mais altos, por terem ido mais além, por terem transmitido sonho,
afecto, cultura, por terem elevado também a língua, esta que falamos e que é a
nossa Pátria como dizia Pessoa. Esses outros que também nos deixaram
recentemente e que do tempo de antena televisivo foram chutados para o rodapé,
pequena peça no fim do telejornal, curto documentário no canal dois a hora
incerta. Falando apenas dos que nos deixaram mais recentemente lembro Manuel
António Pina na sua superior grandeza, dos mais completos escritores que me
lembro de ter lido, de uma humildade tão grande como a sua própria grandeza;
lembro Urbano Tavares Rodrigues, ainda activo escrevendo sempre até ao seu
final, lembro António Ramos Rosa, dedilhando poemas nos seus dedos longilíneos,
o magnífico Nadir Afonso, o extraordinário Bernardo Sassetti e muitos que agora
não me ocorrem, nem seria normal que me ocorressem já que a sua morte não
desorganizou toda a programação dos media, não ocupou dias inteiros,
reportagens de fundo, velórios em directo, lágrimas verdadeiras e as de
crocodilo.
Descansa em Paz Eusébio. Tu e
todos os que já partiram e nos fizeram sonhar.
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