quarta-feira, agosto 11, 2010

"Já é tarde. Deixa ficar."

Gostei de ver-te Amigo velho, de velhas andanças. Reconhecer-te os traços na luz fria da noite, melhorar o que trazia de ti, de memória. Reconhecer-te a tez, a textura da pele, pormenores pequenos que havia perdido faz tanto tempo.
O tempo corrói-nos, carcomendo-nos as miudezas da memória e vamos perdendo a nitidez, o pormenor, em pouco tempo somos outros e mal nos reconhecemos.
Foi bom distinguir velhos sinais, imperfeições e rugas, por um momento tornaste a ser real ao invés de um espectro mental que muda de cor e textura conforme uma fotografia, ora mais cinzenta ora mais colorida, ora mais de perto, ora mais ao longe.
Distância perfeita aquela, cinco ou seis metros, talvez sete, entre nós, impedindo o toque, a intimidade, o diálogo, a fala, o cheiro e no entanto, ia jurar que naquele espaço os nossos silêncios se tocaram, como só dois silêncios sabem tocar-se, roçando-se discretos e íntimos, como dois velhos silêncios, habituados a estarem calados, traduzindo sem palavras tudo quanto não precisa ser dito.
À distância de cinco ou seis metros, talvez sete, reencontrei em ti mais do que procurava. Um sorriso apertado entre os dentes, um certo ondular no andar como uma dança incoerente, algumas palavras não para mim mas que eu conhecia como dantes, um certo olhar sem destino fixo, os gestos, sempre os mesmos, que eu já quase esquecera no fundo da ideia.
À distância de cinco, seis metros, talvez sete, não mais, achei-te um pouco mais magro, não se perde nada, ficas melhor mais seco de carnes, um tanto mais velho diria, é normal, o tempo é inexorável, não se perde fixo nas lembranças que guardamos.
Foi bom ver-te Amigo velho, à distância de cinco, seis metros, não mais que sete, assim de frente, viagem melancólica a quando te conheci e, de repente, como se um filme, esta e outra e ainda outra imagem percorrendo-me por dentro, avancei uns anos nas recordações, desde aquela imagem parada deste mesmo rio visto de outro lugar. Antes era de um lado o rio e de outro a multidão, agora era o rio de um lado e de outro o coração – em caso de dúvida escolher o coração. Lembra-me para que não me esqueça de que lado me bates por dentro.

1 comentário:

Anónimo disse...

! Tão belo..tão belo mesmo !
É tão belo que transtorna!





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