Aquilo que primeiro me prendeu a
atenção foi a pequena tatuagem em forma de flor, acho que era uma flor, que
tinha na região infra-clavicular à esquerda – avisem-me se estiver a ser
demasiado técnica nestas coisas da descrição de desenhos em regiões corporais.
Fruto do ofício ora sou demasiado hermética na linguagem ora sou demasiado
popular no sentido de ter a certeza que me faço entender. Adiante, dizia eu que
a tatuagem impressa no peito, a um bom palmo sobre a mama esquerda foi o que me
fez olhar para ela com mais atenção. Nem sei bem se é esse o termo, digo eu nem
sei se olhei para ela com alguma atenção, olhei foi para a tatuagem. Não porque
fosse grande, ou sequer muito vistosa, mas uma tatuagem, sobretudo em local à
vista, como o decote que trazia permitia, ainda que vagamente tapada na sua
vertente mais superior, funciona tão bem (ou tão mal, tudo vai da perspectiva
com que se encaram estas coisas) como uma cicatriz ou como um furúnculo ou uma
coisa ainda mais endemoninhada, como uma ranheta pendurada num nariz mal
acabado de assoar. O que quero dizer é que, qualquer uma dessas coisas, uma
tatuagem – seja esta entendida como uma obra de arte, um incontornável adorno
ou uma marca tribal ou de outro simbolismo – um sinal no corpo, uma ferida ou
cicatriz ou uma coisa que não devia estar lá como uma ranheta que fazemos de
conta não ver, são coisas que nos prendem a vista. A partir do momento que nos
perdemos a olhar o item em causa ficamos para sempre fascinados pelo mesmo e
jamais conseguimos conter o olhar furtivo, atento, o olhar que não consegue,
depois disto, concentrar-se em mais coisa alguma, vertido todo que está em
tentar compreender o símbolo ou esquecer a presença, em tentar parecer natural.
Foi isso, enfim, que me
aconteceu, e ali fiquei a tentar discernir se aquilo era uma flor ou um pássaro
exótico, se na parte inferior vislumbrava pernas ou apenas um rabiosque e mais
adiante a tentar perceber porque diabo uma pessoa que não tinha colada uma inusitada
ranheta ao peito, que não tinha ali mesmo uma cicatriz de um acidente, nem um
sinal esquisito ou uma verruga a pedir tratamento, alguém que tinha antes,
muito provavelmente uma pelezita pálida e macia, se lembrou de a fazer tatuar
com aquele desenho indeciso entre flor e pássaro, tintado a preto. Ocorreu-me
que talvez fosse para que papalvos como eu ficassem plantados a olhar
infinitamente um ponto neutro enquanto o mundo passava ao largo.
“É tudo por uma questão de
reputação” – disse ela. Claramente não percebi o sentido, não ouvi toda a
conversa, atenta que estava ao raio da tatuagem, mas fosse lá o que fosse tudo
se resumia à tal da reputação.
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