De que falarão os velhos senão de
coisas velhas? Histórias puídas, coisas rotas, farrapos de memórias que se
aguentam no vendaval do esquecimento. Que hão-de pensar os velhos, a sós com o
seu pensamento? Sobre as coisas que já não há ou antes as que eles recordam sem
saber se as recordam ou se as inventam se é certo que já ninguém do presente –
ah o futuro, antes tão imaginado! – se lembra, excepto outros velhos como eles,
talvez também já mais invenção que memória, como saber? Como saber se o que
pensam realidade esquecida ou apenas imaginação delirante, senil?
Três velhos numa mesa de uma
confeitaria, lancham e conversam lentamente, à velocidade dos velhos, devagar. Observo-os.
São, aliás, duas velhas e um velho, um casal suponho eu, e talvez a irmã dela,
são parecidas. Devagar, partem em pedaços os bolos de arroz, debicam as
meias-de-leite e conversam também lentamente. De que falarão os velhos quando
estão sós? De coisas velhas, memórias antigas? Confundirão os nomes, as
pessoas, o antigo e o moderno? Lembrar-se-ão de um tempo de que mais ninguém
lembra? Contarão as histórias dos mortos que arrastam presos ao olhar, o olhar
que fica parado nas paredes a ver coisas que mais ninguém vê – um filho morto,
a mãe, o pai, os irmãos, amigos tantos, enfileirados no silêncio da eternidade.
Que pensarão os velhos, sós, entre eles, que como Dante “nunca imaginaram que a
morte tivesse levado tantos”? Contarão os dias em que também o seu lugar à mesa
da confeitaria ficará vazio, substituídos agora pelo infinito e definitivo
silêncio?
Na estação de metro, sobre o
obliterador, alguém deixou perdida uma luva de pele. Tem um aspecto gasto,
bastante usado, meio rompida, não sei se a perderam assim, desirmanada, talvez
algum velhote a tentar agarrar o passe perdido no fundo do bolso do sobretudo,
atrapalhando-se com tantos dedos luvados. Ou talvez alguém a tivesse abandonado
por velhice e desnecessidade. Nunca o saberei, como não sei de que falam os
velhos entre si, talvez de luvas perdidas ou abandonadas, logo uma luva, algo que
tão intimamente apertamos contra os dedos.
1 comentário:
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