Conheci as prímulas há muitos anos. Vieram parar cá a casa pela mão de minha Mãe que as comprou por lhes achar graça e lhe ter apetecido enfeitar uma pequena mesa com um vasinho com flores. Eram umas flores amarelas, singelas e engraçadinhas, em número de quatro ou cinco a despontando entre folharecas verdes e que pela noite exalavam um forte cheiro polínico. Plantazinha simplória, a trezentos paus (no tempo dos escudos sim, já foi mesmo há muitos anos) o vaso pequeno. O meu namorado dessa época cruzou-se com elas e riu-se, dizia ele que aquilo eram “flores do caminho”, coisitas banais que havia aos pontapés pela terra dele. Rimo-nos disso, tornou-se por algum tempo uma espécie de pequena piada com a qual nos picávamos, ele a desdenhar da plantinha e eu a elogiar-lhe a beleza como se nenhuma outra flor fosse mais meritória. Nenhum dos dois o fazia com particular convicção, era apenas uma brincadeira com que nos entretínhamos e que esquecemos mal as flores morreram, alguns meses depois.
Agora, tantos anos passados, lembrei-me delas, das prímulas, sabe-se lá porquê. Fui eu quem, empenhadamente, descobriu o nome das pobres, de outra forma seriam apenas as flores amarelas, mas ao encontrar-lhes o nome próprio – prímulas – ofereci-lhes uma comunidades de pertença e uma personalidade, uma excelência que de outra maneira nunca teriam tido. Foi assim que me deitei a pensar na importância que o nosso nome de família nos traz, não tanto pela sua proveniência – se se trata de uma família aristocrática ou um nome comezinho e banal de zé ninguém – mas apenas pela sua existência. A partir do momento em que temos um nome passamos a ser gente, a ter personalidade, como que ganhamos espessura, volume de gente. Acontece isso sobretudo com os nomes próprios e pelos quais habitualmente respondemos, senão sempre, pelo menos na intimidade. Se nos trocam o nome é como se nos trocassem também, deixamos de ser nós, passamos a ser uma existência inventada ou contrariada, somos e não somos. E isso sempre acontece quando nos chamam pelo nome errado ou quando não são capazes de nos nomear, nesse último formato passamos a ser uma coisa, somos amorfos – “ó coisinha!” como alguns chamam aos outros que não sabem ou não querem nomear. Já o nome de família reporta-nos mais a um clã, passamos a ser não apenas um mas uma parte de um todo, ainda que o nosso todo possa ser um todo fragmentado, disfuncional, às vezes até incomodo, se somos Silva podemos nada querer com o Pai ou com a Mãe, podemos ter-nos perdido dos restantes irmãos por pouco ou nada nos ligar, mas liga-nos o nome, se somos Silva é porque não somos sós e há outros Silvas como nós – isto aqui rimou ou foi de mim? Qualquer dia escrevo um poema – daqueles com rima, métrica e tudo! (e pontos de exclamação, amén.)
Tudo, enfim, por causa das prímulas, as discretas flores-do-caminho das quais agora tive saudades. Por um momento pareceu-me até sentir o seu nardo, penetrando pela noite, a entrar-me nas narinas. Ilusão olfactiva, apenas. As prímulas e sua metáfora das flores-do-caminho. Enquanto vivas sobre a minha mesa eram, para mim, as prímulas, que eram as minhas flores. Outros fossem os olhos e seriam apenas rasteiras flores-do-caminho, sem uso, prontas a ser pontapeadas pelos transeuntes. Gosto de pensar que me cruzei pelos caminhos com algumas flores que guardei em canteiro, regando-as e tornando-as tão prímulas como quaisquer outras, até que se murchassem – destino final de flores tão frágeis. Outras despontarão, noutros caminhos que não o meu.
Agora, tantos anos passados, lembrei-me delas, das prímulas, sabe-se lá porquê. Fui eu quem, empenhadamente, descobriu o nome das pobres, de outra forma seriam apenas as flores amarelas, mas ao encontrar-lhes o nome próprio – prímulas – ofereci-lhes uma comunidades de pertença e uma personalidade, uma excelência que de outra maneira nunca teriam tido. Foi assim que me deitei a pensar na importância que o nosso nome de família nos traz, não tanto pela sua proveniência – se se trata de uma família aristocrática ou um nome comezinho e banal de zé ninguém – mas apenas pela sua existência. A partir do momento em que temos um nome passamos a ser gente, a ter personalidade, como que ganhamos espessura, volume de gente. Acontece isso sobretudo com os nomes próprios e pelos quais habitualmente respondemos, senão sempre, pelo menos na intimidade. Se nos trocam o nome é como se nos trocassem também, deixamos de ser nós, passamos a ser uma existência inventada ou contrariada, somos e não somos. E isso sempre acontece quando nos chamam pelo nome errado ou quando não são capazes de nos nomear, nesse último formato passamos a ser uma coisa, somos amorfos – “ó coisinha!” como alguns chamam aos outros que não sabem ou não querem nomear. Já o nome de família reporta-nos mais a um clã, passamos a ser não apenas um mas uma parte de um todo, ainda que o nosso todo possa ser um todo fragmentado, disfuncional, às vezes até incomodo, se somos Silva podemos nada querer com o Pai ou com a Mãe, podemos ter-nos perdido dos restantes irmãos por pouco ou nada nos ligar, mas liga-nos o nome, se somos Silva é porque não somos sós e há outros Silvas como nós – isto aqui rimou ou foi de mim? Qualquer dia escrevo um poema – daqueles com rima, métrica e tudo! (e pontos de exclamação, amén.)
Tudo, enfim, por causa das prímulas, as discretas flores-do-caminho das quais agora tive saudades. Por um momento pareceu-me até sentir o seu nardo, penetrando pela noite, a entrar-me nas narinas. Ilusão olfactiva, apenas. As prímulas e sua metáfora das flores-do-caminho. Enquanto vivas sobre a minha mesa eram, para mim, as prímulas, que eram as minhas flores. Outros fossem os olhos e seriam apenas rasteiras flores-do-caminho, sem uso, prontas a ser pontapeadas pelos transeuntes. Gosto de pensar que me cruzei pelos caminhos com algumas flores que guardei em canteiro, regando-as e tornando-as tão prímulas como quaisquer outras, até que se murchassem – destino final de flores tão frágeis. Outras despontarão, noutros caminhos que não o meu.