O ano de 2008 foi um ano mau. Felizmente não me morreu ninguém, ninguém ficou doente, não houve falências, desemprego e desgraças na minha família directa, mas ainda assim foi, para mim, um ano mau. Um ano afectivamente mau, não guardo dele boas memórias e, no seu final, arrastava-se penoso continuar nele, queria muito que acabasse a ver se o novo ano seria melhor.
No mundo nada aponta para isso e, no meu mundo particular, também não, mas agarrei-me a um estranho acreditar (logo eu que sou tão pouco dada à crença futil, não alicerçada cientificamente) que me assaltou com mais vigor no último dia do ano. Nesse dia contam-se pelos dedos de uma só mão as pessoas a quem telefonei ou mandei mensagem e a todos a quem o fiz fi-lo com um propósito específico, o de dar o meu Amor (e com isso perceber que era ainda capaz de Amar). Se morresse naquele dia não gostaria que algumas pessoas ficassem sem que eu lhes dissesse isso mesmo: que os amava.
Olhei, todo o dia, com certo desdém a ideia comemorativa, os preparos para as várias festas dos que iam passar a noite a festejar o novo ano. Se o meu ano fora mau e no escuro de mim não divisava nada a que me pudesse agarrar em como o ano novo seria melhor, o que iria eu comemorar? Decerto nada.
Precisava de catarse, procurei-a e tive-a.
Passei o ano a 180Km/H no meio de nenhures a ver fogo de artífício sabe-deus-de-onde, à direita e à esquerda, tentando conectar-me ao meu mundo com as mãos, os ouvidos e o céu; a caminho de abraços sem os quais seria penoso não passar o ano e que foram, afinal, os primeiros abraços do ano. Encontrei ainda memórias velhinhas, adolescentes, de gente que já partiu e de um mar tão tão azul que um dia pensei ter lá perdido os olhos para sempre. Valeu a pena, claro que sim.
Se tivesse banda sonora para estes sentimentos teria sido esta, da Mafalda Veiga (hoje deu-me para isto por ontem ter estado no Coliseu a ouvi-la) e hoje "dedico-o" à Clara, já que o poema que lhe queria escrever hoje está apenas começado e também porque será provavelmente a única pessoa capaz de perceber a ideia, o poema e porque o escolhi.
Uma noite para comemorar
Esta é só uma noite para partilhar
qualquer coisa que ainda podemos guardar cá dentro
um lugar a salvo para onde correr
quando nada bate certo
e se fica a céu aberto
sem saber o que fazer
esta é uma noite pra comemorar
qualquer coisa que ainda podemos salvar do tempo
um lugar pra nós onde demorar
quando nada faz sentido
e se fica mais perdido
e se anseia pelo abraço de um amigo
esta é uma noite para me vingar
do que a vida foi fazendo sem nos avisar
foi-se acumulando em fotografias
em distâncias e saudade
numa dor que nunca cabe
e faz transbordar os dias
esta é uma noite para me lembrar
que há qualquer coisa infinita como o firmamento
um sorriso, um abraço
que transcende o tempo
e ter medo como dantes
de acordar a meio da noite
a precisar de um regaço
Mafalda Veiga