Esta noite não durmo aqui. Durmo em Lisboa num hotel qualquer. Gosto de hotéis, grandes e impessoais, sítios onde talvez nunca torne ou, pelo inverso, torne sempre uma e outra vez. Hoje queria adormecer em Lisboa, deixar a madrugada entrar em mim sentada na esplanada do Piazza, a ouvir na distância o gemido da ponte a cada carro, como um vento regurgitado de um lugar qualquer obscuro perdido na distância escura. O crocitar de uma ou outra gaivota e o penoso silêncio da noite de Lisboa. Esta noite vou voar para lá.
Se me perguntarem o que mais gosto em Lisboa direi S. Luiz, não a sala do teatro mas o jardim de inverno, um espaço largo, sem amarras, mesas redondas e um painel de fundo com um cavaleiro, será um dragão? Será um centauro? Um sagitário? O que sei eu, é uma imagem de corpo e animal, qualquer coisa de magnífico e insensato. Gosto do jardim de inverno pelo inverno e gosto das placas no átrio com os nomes dos artistas, uma parede de placas e outra e outra e … de resto pouco mais gosto em Lisboa, eu nem sequer gosto de Lisboa! Gosto do Chiado feio e torcido ao peso dos seus poemas que não conheço e do Nicola, sim, do Nicola gosto, quero voltar à esplanada do Nicola ler o Notícias e pensar “eu não sou de cá”.
Esta noite não durmo aqui, hei-de tornar ao Estoril, e ficar a ver a lua cheia do alto da varanda recuada do oitavo piso do Vila Galé, a ver a estrada, a bomba de gasolina, o Gordini já fechado, a linha férrea deserta – não, talvez um comboio desesperado pela noite fora a apitar (há comboios de madrugada nesta linha? Não sei, nunca os vi nem os senti), e depois o mar, o longo o intenso o azul escuro mar. Estoril e o mar.
Não, esta noite não durmo aqui, nem pensar, vou cear ao Piazza e depois Estoril, está decidido. Vila Galé para a varanda da lua cheia, colado ao Palácio onde descobri o espanto de uma noite de Janeiro, quatro da manhã no quarto deserto e tão cheio, uma rosa para ti e para mim o entendimento surdo do tempo em que ainda falávamos uma mesma língua. Já passou.
Não me liguem, não me dêem atenção, são três e meia da manhã e tento adormecer neste sofá, o corpo em torpor, uma luz acesa sobre os olhos, o som do teclado insistente clac-clac-clac, luzes que piscam, alarmes a enlouquecer a noite e gemidos de dor ao longe. É que claro que não estou aqui, não durmo aqui nem por nada!
Esta noite durmo em Lisboa. Até amanhã.