Intervalo doloroso
Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.
Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor.
[…]
Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar.
Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar.
Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.
Eu não teria horror à vida como a uma Coisa. A noção da vida como um Todo não me esmagaria os ombros do pensamento.
Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda-chuva contra um raio. Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e actos.
Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia. Mesmo eu, o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas.
Esvai-se a névoa de que me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhecê-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
A minha vida é como se me batessem com ela.
Bernardo Soares
in
“Livro do Desassossego”