sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Mors ultima spes

(Título plagiado de uma lápide no "Prado do Repouso")

Maremoto ou poesia,
este pedaço de vento
dominado pelas pausas
das coisas que não entendo.





Hoje perco-me,
amanhã, talvez já morta,
o meu cadáver dirá
das sombras que
o tempo depôs sobre o meu peito.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Suicídio

Morre-se de noite enquanto os dias
se embriagam de flores azuis




Lá fora o mar estremece de espuma e de cio sobre as rochas.

Se eu abrisse a portada talvez alguém mastigasse o
sofrimento com dentes de fogo
e eu amachucasse, no interior das minhas mãos,
o terrível som do silêncio.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Fatalidades



“[…] no coração que é o sítio ideal
para quem mata a paixão,
que amar é faltal.”
Pedro Abrunhosa


A tua pele dói-me
nos redondos afagos onde
o beijo falha
a presença

dos dias
inúmeros
correm como fontes mortas
no insucesso da paisagem
agrafada ao interior do
meu corpo

de sempre

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Vertigem


Chego ao teu corpo para conciliar o silêncio com a noite
e te deixar a paz nos braços para que possas adormecer

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Certos céus que não tive



My funny valentine


Vem a minha casa.
Ouvirás canções
que nos prometem a certos céus que não tive.

Alargarás os braços e abraçar-me-ás.
Uma asa, a que és afinal, golpeará a ordem do mundo
essa ordem de celofane que repudiámos.

E para lá do vidro, a dor apagar-se-á,
e juntos assistiremos
ao seu irado crepúsculo.

Domínios no escuro, dir-me-ás.
Sim, estamos cegos, dir-te-ei,
isto é, arrebatados, transportados

para o temível lugar onde a exasperação
é de outros, e a tristeza põe o rabo entre as pernas
e foge, e tropeça, e cai

em direcção ao ígneo centro.
Mas nada disto tem o sentido que se presume existir
(fátua ontologia)
em magias menores, alumbramentos e metamorfoses,

actos rituais e fogos de artifício nos longes da alma.
Tu estás somente dedicada
ao próximo alinhamento de canções

que nos prometem a certos céus que não tive.
Comprei hoje o Johnny Hartmann.
Vem ouvi-lo a minha casa, my funny valentine.

Luís Quintais


Belo Poema de Luís Quintais, consta do seu novo “Canto Onde” – muito recomendável, belíssimo livro.
Hoje apeteceu-me este, a dizer com o dia…, para acompanhar com música e a lembrar “certos céus que não tive”

domingo, fevereiro 11, 2007

Chávena vazia



















Insistiram em levar-me a chávena,
embora eu goste de a manter
vazia
sob os olhos e sob o olfacto.

Entrar na chávena vazia
como quem entra
na vida (vazia)
e ficar imaginando sonhos
na espuma que seca em seu redor.

Um dia impeço-os
de me levarem a chávena (vazia)
e guardo-me dentro dela
como a memória dos meus dias (vazios).

terça-feira, fevereiro 06, 2007

"uma sombra de rio"

Limitas-me o gesto,
sempre,
acuso-te do desgaste
das palavras.
Não tenho outras,
são estas
as mesmas que
fervem sob o sangue e
sobre a pele,
são as mesmas que te beijam
e te deixam,

dentes que rompem
a roupa ou a pele,
unhas que
arranham por dentro
do peito
como se o vento fosse nosso,
nos pertencesse,
ou o silêncio se apagasse
sobre o cinzeiro.

Entre nós e a cidade
apenas este espaço de tempo,
uma sombra de rio
que teima em abraçar-nos por dentro.
Posted by Picasa