segunda-feira, setembro 23, 2013

Crónica de Segunda - O obituário do Poema


Hoje a crónica viu-se atravessada pela morte ou a ideia da morte. Enquanto buscava assunto nas comezinhas coisas que nos rodeiam a notícia da morte o poeta António Ramos Rosa fez-se, subitamente assunto. Desde logo pela tristeza que o desaparecimento de um poeta com a sua estatura, a sua profundidade deixa entre os que gostam de poesia e apreciavam o seu jogo de luz e sombras, o seu rigor na palavra, a sua pungência. Depois porque o vazio que deixa lembra o vazio que outros da sua geração e até mais novos têm deixado nos últimos anos. Começam a desaparecer os velhos poetas e vamos ficando um pouco mais órfãos, deixados sós, sem referências, um pouco à deriva, parece-me.

Quando se morre aos 88 e se está frágil e doente é-se mais compreensivo com a morte, sabemos que nalguma altura temos de partir e aos 88 parece menos mal que aos 50 ou aos 60 ou noutras idades ainda mais jovens, mas a um poeta não devia ser dado morrer. Leio num jornal que, já hospitalizado e muito frágil, ainda no dia da sua morte, Ramos Rosa foi capaz de escrever o nome da sua mulher e da sua filha e esta sussurrou-lhe ao ouvido  um seu poema “Estou vivo e escrevo sol” e foi ainda capaz de o escrever também. Esta descrição pareceu-me das coisas mais doces, das mais belas formas de despedida do mundo de um poeta. Lembrei-me de ler uma descrição que Manuel Alegre fez de Sophia quando também já ela muito doente e frágil era visitada por este que lhe lia poemas que ela acompanhava e, já bem no fim da vida, apenas murmurava o ritmo, não as palavras mas a sua música. Coisas que me deixam a pensar sobre o que pensarão os poetas quando se preparam para partir. Em que pensaria Eugénio acamado, às portas da morte ou o Pina já abatido pela dor e a medicação? Que poema traria ainda Urbano dentro de si? Camões, que poema o alumiaria na escura solidão rente à morte? E Pessoa, na náusea final?

Que poema acompanhará por dentro os poetas no seu fim, que indizíveis palavas escreverão dentro da pele sem poderem terminar o livro último, o último poema?

segunda-feira, setembro 16, 2013

Crónica de Segunda - Uma crónica de regressos

Reabro esta crónica de segunda, como habitualmente, à mesa do café de sempre, onde tento  encontrar o meu lugar.

Quando nos afastamos dos sítios de sempre, seja por força da actividade profissional ou por outro acaso qualquer, porque mudamos de terra, de horários ou apenas de hábitos, mesmo quando é temporário e o tempo nem é assim tanto – como quando vamos de férias e depois regressamos –  ao tornamos ao lugar de antes, temos sempre de reencontrar o espaço que é nosso.

O mesmo com as relações entre as pessoas, as pessoas que passam na nossa vida e, de repente, se afastam ou nos afastamos nós, se nos voltamos a reencontrar, seja em condições idênticas às de antes ou noutras diversas e talvez menos  esperadas – uma chamada telefónica, um encontro inesperado ao virar da esquina – de novo temos de nos reposicionar e perceber que o lugar que antes tínhamos pode já não ser o que agora nos compete.

Mutatis mutandi a vida não espera cristalizada as nossas mudanças de humor, se adormecemos, ao acordar, o mundo já não é bem o mesmo.

Vem tudo isto a propósito dos lugares, da importância do espaço, o real e o ilusório, o orgânico e o virtual, para o nosso equilíbrio interior.

Quando tornamos ao de sempre, a chamada rentrée, à francesa, voltamos com a boa disposição dos augúrios para o futuro, esperamos sempre que a rentrée seja um ponto de partida para algo melhor, mais vasto, mais além.

Assim sou eu, no meu café, escrevendo, auspiciando leitores novos, melhores poemas, melhores ideias e crónicas. Antevendo, porém, o Outono e com ele as folhas desalojadas das árvores, como às vezes nos regressos nos achamos desalojados do lugar que  tínhamos como nosso.

Que lugar nos restará agora? Que braços ainda nos abraçarão quando tornarmos? Onde foi que nos perdemos?