segunda-feira, dezembro 12, 2011

Crónica de Segunda - "Um clássico da literatura"

Nada melhor no regresso das crónicas do que dissertar sobre os clássicos da literatura. Vem isto a propósito de não ter tema sobre o qual falar e pretender servir-me de uma conversa que ouvi por acidente num daqueles cafés em que as mesas são tão próximas que é difícil não ficarmos por dentro da conversa dos vizinhos do lado. Calhou que na mesa junto à minha duas jovens conversavam sobre as suas vidinhas e embora em tom discreto veio parar ao meio da minha leitura de jornal a seguinte pérola “só gostava de ter um dom que me fizesse perceber o que ele sente, ou o que fez de tudo o que antes sentia”. É claro que depressa me desliguei da conversa entre as duas que pouco ou nada me interessava para pôr o neurónio a viajar nas ondas da parvoíce. Pus-me a imaginar o mais velho e batido clássico da literatura, do indivíduo que sai para comprar tabaco e nunca mais regressa deixando a angústia do regresso em quem fica. Tudo isso seguido de imagens fílmicas de alguém que desce uma rua, mesmo diante dos nossos olhos e no primeiro cruzamento desvia o percurso numa esquina e assim desaparece, do nosso olhar e da nossa mente, depressa substituída a sua imagem por outra qualquer que melhor nos distraia. Assim vamos fazendo o nosso percurso tornando-nos, face aos outros, quantas vezes o mesmo clássico da literatura, desaparecendo quando íamos comprar tabaco ainda que, ou sobretudo se, não formos fumadores. São inúmeros os poderes da invisibilidade, cómodos, simpáticos, muito uteis para a sobrevivência longe dos tão difíceis afectos. Então não é melhor sermos nuvens, coisas etéreas que desaparecem nas esquinas, um não-sei-quê de poético e ao mesmo tempo trágico, do que ficar a matutar tristemente no que o outro há-de ter ficado a pensar ou a sentir? Foi antes ou depois do maço de tabaco? O amor eterno (enquanto dura) é maior ou menor, tem mais ou menos eternidade quando nos afastamos? É ou não verdade que para sempre só é real quando tudo acaba? Pensem nisso, entretanto vou ali comprar tabaco. Volto já.

1 comentário:

Brain disse...

Vai... mas volta, tá?

Fantástico!