Meio de Agosto, o melhor tempo da silly season, a estação parva. Se lhe chamam assim alguma razão hão-de ter, tudo porque está calor e meio mundo vai de férias esquecendo os assuntos sérios e mantendo o neurónio adormecido.
Eu, que não estou de férias, e, pelo contrário, regresso das minhas com a
gana de me agarrar à crónica mas sem saber o que pôr nela em tal época de alta
estival e baixa intelectual, dou por mim a perceber que coisas parvas, a dizer
com a estação, para descrever na crónica é o que mais há por aí. Assola-me até,
de repente, a vontade de transformar as minhas Crónicas de Segunda em Crónicas
Parvas.
É preciso muito pouco para encontrar a temática, um simples passeio na
baixa da minha cidade chega para ocupar toda a crónica. Começo numa livraria – “As
setes chaves da cura” – nem abri o livro, apenas lhe apreciei o título e a
autora – Cristina Candeias – e penso “ah, a silly season no seu melhor!”, a
cura tem chaves e são sete, felizmente há uma bruxa que as conhece e,
generosamente, partilha em livro. Pobre de mim a arrastar-me seis anos, seis,
de cadeiras infindáveis e sem equivalências automáticas, arrancadas uma a uma
com o queimor neuronal, mais dois anos de estágio, mais cinco de especialidade
e mais uns poucos de prática depois de tudo isso e ainda não dei com o estupor
das chaves – faltou-me este manual! Vou por na lista das compras.
Saio da livraria e caminho pela rua, um mendigo cego, com a sua bengala
agachava-se no chão, aflito, tacteando o chão com a mão à procura de uma moeda
pequena que lhe havia caído. Solícito, um velhote, coloca-lhe a mão no ombro
apontando com o indicador na direcção da moeda caída “está ali, está ali!”,
estou certa que foi muito útil. O cego, pelo menos, ia agradecendo enquanto
continuava às apalpadelas.
Último episódio – sento-me no cabeleireiro esperando vez e não resisto a
folhear um exemplar da dita imprensa cor-de-rosa mas logo me assalta uma forte
impressão de cinzento. Um título “irresistível” salta-me à vista “Como se
livrar dele depois das férias. Termine uma relação sem remorsos.” Não resisti a
ler as tão preciosas instruções para nos livrarmos de alguém que goste de nós
como se de um empecilho mal cheiroso se tratasse, um pechisbeque comprado em
saldo que queremos ofececer a alguém de quem não gostemos. Que melhor
literatura estival senão aquela que nos ensina coisas tão uteis?! Os truques infalíveis
passavam por marcar jantares românticos aos quais se falta, não responder às
mensagens e depois dar como desculpa o esquecimento; enxovalhos públicos com
confissões de falsas intimidades menos abonatórias e humilhações frente aos
amigos. Tudo muito fácil e, afinal, demasiado óbvio, digo eu. Dá-me ideia que
manuais para instruir a humilhar o próximo são desnecessários, qualquer um de
nós, vasculhando no pior de si, certamente conseguiria encontrar sem mestre,
mesmo na mais parva das estações, a melhor maneira de ser rude e imbecil no
final de uma relação, afinal gente rude e imbecil, e não só no final de
relações, é o que mais há para servir de modelo. Começo a pensar que se calhar
são os habituais leitores destes pasquins. O que eu ando a perder por não o
ser! Um destes dias ainda vou querer acabar uma relação e acabo aos abraços ou
assim! Que parva eu sou, ainda pior que a estação!